O CEO de uma rede russa de hambúrgueres recentemente alertou Vladimir Putin sobre os perigos que seu negócio enfrenta se o McDonald’s, sua antiga matriz, exercer o direito de recomprá-lo.
“Se a marca retornar, os sistemas de TI [da empresa] voltarão a ser estrangeiros, todos os equipamentos de cozinha voltarão a ser estrangeiros”, disse Oleg Paroev ao presidente da Rússia. “E todo o enorme trabalho de nossos colegas, nossos parceiros russos acabará… tendo sido, de certa forma, em vão.”
Naquela reunião televisionada no Kremlin no final de maio, Putin tranquilizou ele e outros executivos que compartilhavam preocupações semelhantes, dizendo que já havia ordenado ao governo que encontrasse uma solução para anular a temida cláusula de recompra.
“Lembrem-se da famosa piada: ‘Só os covardes pagam suas dívidas.’ É o mesmo aqui”, disse Putin.
A reunião no Kremlin foi uma forma de apaziguar empresas como a Vkusno i tochka (“Saboroso, ponto final”), que assumiram os negócios de marcas ocidentais após Putin ordenar a invasão em grande escala da Ucrânia em 2022. A Vkusno i tochka foi criada pelo ex-franqueado do McDonald’s Alexander Govor, que comprou as operações da empresa americana quando ela deixou o país.
Essas marcas falsificadas colheram os benefícios de um boom de consumo em um ambiente menos competitivo —e agora lutam para garantir que continue assim.
Pouco antes da reunião, legisladores russos apresentaram um projeto de lei que permitiria às empresas domésticas desrespeitar seus acordos de recompra com empresas ocidentais ocorridos após a invasão, se o preço pré-acordado fosse inferior ao valor atual do ativo.
A lei proposta, segundo duas pessoas familiarizadas com o assunto, foi resultado de um intenso lobby da Vkusno i tochka, que se tornou a referência dessa nova onda de empresas russas.
Amplamente desconhecidos do público em geral, os empresários que fizeram lobby junto a Putin na recente reunião do Kremlin fazem parte de uma nova classe emergente que prosperou mesmo quando a guerra prejudicou os negócios dos oligarcas russos de alto nível, isolados por sanções dos ativos e mercados ocidentais.
“Eles são aproveitadores de guerra e capitães da substituição de importações que cresceram com a maré”, disse Alexandra Prokopenko, pesquisadora do Centro Carnegie Rússia Eurásia em Berlim. “Isso é para se protegerem da concorrência. Como mais podem explicar que o ativo precisa ficar com eles? Apenas mostrando a ameaça de estrangeiros caprichosos.”
O apoio de Putin ao impulso protecionista é uma mudança em relação a apenas alguns meses atrás, quando ele ordenou que seu gabinete elaborasse regras para o retorno de empresas ocidentais depois que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, prometeu restaurar laços comerciais com a Rússia.
Agora, a reaproximação com os EUA continua sendo uma perspectiva distante enquanto o processo de paz na Ucrânia permanecer estagnado. Moscou admitiu que nenhuma empresa ocidental fez uma tentativa formal de retornar.
Os vencedores na nova economia russa têm interesse em manter as coisas assim. Nos setores de varejo, alimentação e hotelaria, a saída das multinacionais significou um boom de crescimento para as empresas russas que abocanharam os espólios.
“Havia um espaço vazio na prateleira”, disse Konstantin Loktev, diretor executivo da Nielsen Data Factory, a empresa de pesquisa de mercado russa anteriormente afiliada à NielsenIQ. “E é aí que as empresas locais entraram em cena.”
Se as longas filas fora do primeiro McDonald’s de Moscou em 1990 simbolizavam o alvorecer do capitalismo russo, o sucesso da Vkusno i tochka representa a inclinação protecionista e patriótica que passou a caracterizar a economia de guerra de Putin.
O restaurante abriu no dia nacional da Rússia há três anos —um movimento que Paroev disse a Putin que a empresa fez por sugestão do Kremlin— servindo itens de menu como o “Big Hit”, que se assemelha muito ao Big Mac do McDonald’s.
A Vkusno i tochka agora atende 2 milhões de clientes por dia e aumentou sua receita em 20% ano a ano para 187 bilhões de rublos (US$ 2,4 bilhões) em 2024, em comparação com 75 bilhões de rublos em 2021, o último ano antes da guerra.
No geral, o setor de bens de consumo na Rússia teve um crescimento de 16% entre março de 2024 e março de 2025, disse Loktev, com algumas empresas relatando um crescimento mais rápido.
A Chernogolovka, produtora de alimentos russa que adquiriu o negócio de snacks da Kellogg’s e o negócio de alimentos infantis da Heinz no país, relatou um salto de 29% nas vendas ano a ano no primeiro trimestre de 2024.
A LitEnergy, uma empresa de bebidas energéticas associada ao popular YouTuber russo Mikhail Litvin, teve um crescimento de 477% nas vendas no mesmo período.
O boom para as novas empresas russas veio na esteira de uma economia drasticamente remodelada pela guerra.
À medida que as sanções ocidentais empurraram a Rússia para se tornar menos dependente das exportações, salários mais altos, impulsionados em grande parte pelo aumento dos salários militares e pela economia de guerra, alimentaram a demanda doméstica e o consumo privado.
“A economia se tornou menos dependente das exportações, mais dependente da demanda interna e do consumo privado, especialmente, o que tem lados positivos e negativos”, disse Vasily Astrov, especialista em Rússia do Instituto de Estudos Econômicos Internacionais de Viena.
O governo russo distribuiu generosos subsídios para empresas que lutam para lidar com as sanções ocidentais e para substituir importações da Europa e dos EUA.
Na reunião com Putin, empresas como a Neurosoft, fabricante de equipamentos médicos, e a Kursk, de eletrônica, relataram crescimento de receita variando de 70% a 300%, todas observando que se beneficiaram de programas de apoio governamental.
“Nunca antes tal equipamento foi fabricado na Rússia. Sempre foi comprado de países como Finlândia, República Tcheca, Alemanha e Polônia”, disse Yan Tsenter, da UZTM-Kartex, um importante fabricante de equipamentos para mineração, construção e energia atualmente sob sanções dos EUA, a Putin na reunião.
Enquanto os negócios russos costumavam estacionar seu capital em jurisdições mais seguras fora do país —Chipre, um paraíso para empresas holding offshore russas, foi durante muitos anos o maior investidor estrangeiro— muitos proprietários de empresas estão, em vez disso, buscando reinvestir em casa.
Igor Rybakov, o bilionário coproprietário da Technonicol, uma produtora global de coberturas, impermeabilização e isolamento térmico, disse que sua empresa estava planejando um investimento de 1 bilhão de euros na Europa antes da guerra.
Em vez disso, esse investimento foi reduzido para 300 milhões de euros, com o dinheiro redirecionado de volta ao mercado doméstico e países considerados “amigáveis” à Rússia.
“Pensávamos que a Rússia estava se integrando à Europa. Não há mais tais sentimentos agora. E em três anos, a Rússia se reorientou completamente”, disse ele em uma entrevista.
Em 2023, em meio ao êxodo de empresas ocidentais, a Technonicol adquiriu a subsidiária russa do fornecedor europeu de isolamento Ursa. Nos últimos três anos, o grupo relatou crescimento de receita e lucro de cerca de 15% a 20%.
Outros setores querem que o Kremlin vá ainda mais longe. No mês passado, mais de 300 empresas de TI escreveram uma carta conjunta pedindo ao governo maior proteção para as empresas domésticas caso grupos ocidentais retornem. E Putin parece apenas muito feliz em atender.
“Precisamos estrangulá-los”, disse o líder russo quando questionado sobre serviços de TI ocidentais que ainda estavam disponíveis na Rússia. “Eles estão tentando nos estrangular, então precisamos retribuir.”