Com o impacto ainda recente provocado pela morte da brasileira Juliana Marins no vulcão da Indonésia, e lendo os comentários sobre o caso nas inóspitas redes sociais, ficou no ar a pergunta sempre feita por quem só vê esportes de aventura do conforto do sofá: o que leva alguém a arriscar a própria vida em esportes que sequer têm o possível retorno milionário de uma Fórmula 1, em cantos remotos do planeta?
A primeira e óbvia resposta de todo montanhista raiz, para encurtar a conversa, é a que Edmund Hillary deu quando, em uma entrevista às vésperas de escalar o Everest, em 1953, lhe perguntaram por que se aventurar justamente no topo do mundo, cujo cume, então, ainda não havia sido alcançado. O aventureiro neozelandês respondeu apenas: “Porque ele está lá”.
A resposta é icônica, mas, claro, quando se trata do ser humano, nada é tão simples.
Segundo a montanhista e psicóloga Karina Espírito Santo, “a psicologia evolucionista sugere que os comportamentos de risco foram vantajosos para a sobrevivência de nossos ancestrais, e a gente carrega ainda um pouco dessa carga, o que explica algumas situações que vemos hoje”.
Ela explica que, “se antigamente, a gente assumia esses riscos, como caçar animais grandes, explorar territórios desconhecidos, para garantir mais recursos e, assim, nossa sobrevivência, hoje esses comportamentos se aplicam mais às pessoas que se colocam em risco no ambiente corporativo, na busca por liderança”.
Antes mesmo de os cidadãos de nossos tempos assumirem essas novas modalidades de risco (e criticarem os riscos dos outros), na década de 1960 —quando os jovens da geração paz-e-amor pregavam a filosofia do “tente de tudo ao menos uma vez”—, um psicólogo norte-americano, Marvin Zuckerman (1928-2018), dedicou anos de pesquisas para tentar identificar o que levava algumas pessoas e outras não a buscarem sempre experiências mais intensas, correrem riscos cada vez maiores, e viverem o dia a dia hedonisticamente, em busca de prazeres diversos, como se não houvesse amanhã.
O trabalho de Zuckerman concluiu que essas pessoas tinham níveis mais baixos de monoamina oxidase (MAO) tipo B, uma enzima envolvida na regulação de neurotransmissores, como dopamina, serotonina e adrenalina, e tem sido citado recorrentemente por inúmeros pesquisadores que o sucederam até hoje.
Curiosamente, ele e muitos autores que trabalharam na mesma linha, deixam claro que o que conhecemos como busca pelo risco, na verdade, não se justifica pela vontade de desafiar a morte, por mais que ela esteja sempre no horizonte, mas, sim, pela procura constante por novas sensações.
Entretanto, a explicação genética, sozinha, não basta para a vasta complexidade do cérebro humano. Para o psicanalista e escalador há mais de 20 anos Lucas Clima, “o maior erro que existe na percepção externa das pessoas que não escalam é achar que buscamos isso pela adrenalina”, afirma, “sendo que quanto mais adrenalina, menos realizaçâo a gente consegue”. A teoria, no caso, é que quando se está envolvido em uma atividade de alto risco, como se pendurar de uma rocha pela ponta dos dedos, a pessoa está ocupada demais com o próximo passo para desfrutar dos tais neurotransmissores.
“Nada do que a gente se propõe fazer na pedra, nas alturas, nos ambientes arriscados, tem a ver com insanidade, com inconsequência, a busca não é pelo risco, mas pelo preenchimento de uma sensação de vida muito potente”, diz Clima. Ele pondera que “o tio que bebe e vai lá disputar a pelada de 15 em 15 dias, corre muito mais risco do que o atleta que pratica o mesmo esporte todo dia, todas as nossas escolhas na vida embutem algum risco”.
Clima explica ainda que “o medo é um dos afetos primordiais do ser humano, e nós precisamos nos alfabetizar emocionalmente para aprendermos a nos relacionar com o medo, porque quanto mais nos permitimos desenvolver a capacidade de sentir, ler e interpretar nosso próprio medo, mais seguros ficamos”.
Sobre a enxurrada de ódios que são despejados nas redes sociais quando alguma tragédia como a de Juliana Marins acontece, Karina avalia que “a questão revela um aspecto profundo do comportamento humano, que é a necessidade de dar sentido ao imprevisível, de proteger a própria sensação de segurança”.
“Ao criticar a vítima”, acrescenta ela, “o hater inconscientemente tenta afastar de si o medo da própria morte ou da vulnerabilidade, é uma forma de se proteger de um medo profundo, de se ver diferente desse outro”.