Sob a presidência brasileira, o Brics prepara um levantamento dos sistemas de pagamentos já em uso pelos membros do bloco para explorar soluções que facilitem operações financeiras internacionais e impulsionem comércio e investimentos entre os países.
A partir desse “inventário” de mecanismos de transações financeiras, o bloco poderá fazer novos estudos e aprofundar o debate para o desenvolvimento de um projeto de longo prazo.
Segundo um interlocutor que está a par das discussões, a maioria dos integrantes do Brics prefere usar o seu próprio sistema de pagamentos e trabalhar em uma integração com mecanismos dos outros países em vez de desenvolver um novo sistema alternativo ou criar uma moeda comum visando blindar investimentos de flutuações do câmbio.
Como mostrou a Folha, o Brics evitará compromissos com sistemas de pagamento alternativos na declaração da cúpula do bloco, prevista para os dias 6 e 7 de julho no Rio de Janeiro, apesar da insistência da ex-presidente Dilma Rousseff e do governo da Rússia.
Além do Brasil, são membros plenos do Brics Rússia, Índia, China, África do Sul, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã. A Arábia Saudita, convidada em 2023, nunca oficializou seu ingresso, mas tem escalado representantes para as reuniões.
Ao apresentar as prioridades da presidência brasileira, em fevereiro, o embaixador e sherpa (negociador principal) Maurício Lyrio descartou a criação de uma moeda comum do Brics, reforçando que o objetivo do grupo é reduzir custos das operações comerciais e financeiras, com ênfase no uso de moedas locais, e ampliar a cooperação entre os países.
As discussões sobre uma moeda comum foram retiradas da agenda devido a, entre outros fatores, divergências internas e um possível confronto com os Estados Unidos. O presidente dos EUA, Donald Trump, ameaçou impor tarifas aos membros do Brics se o bloco desenvolvesse uma moeda própria para transações comerciais.
Em entrevista à Folha, a secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Tatiana Rosito, afirmou que as ameaças de Trump tiveram um impacto bastante limitado sobre a atuação do grupo.
Durante reunião dos negociadores, ainda em fevereiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) evitou confrontar Trump e defendeu a criação de opções de pagamento em moedas locais entre países do Brics para reduzir “vulnerabilidades e custos”.
O estudo de medidas que reduzam a dependência ao dólar no comércio internacional é uma demanda histórica de países do bloco, inclusive do Brasil. A avaliação é que a hegemonia da moeda americana deixa países vulneráveis a sanções unilaterais.
A discussão integra um dos objetivos da trilha financeira do Brics. O debate é liderado pelo Banco Central, que atua em parceria com o Ministério da Fazenda.
O Pix, do Brasil, é um exemplo de infraestrutura que tem potencial para se integrar a sistemas internacionais de pagamentos instantâneos. Mas questões de governança ainda dificultam a agregação desses sistemas, como as diferentes regras dos países sobre tributação e prevenção à lavagem de dinheiro.
A discussão também passa pelas possibilidades criadas por novas tecnologias. O BC trabalha hoje no desenvolvimento do Drex —o real digital—, visando obter ganhos em transações mais complexas. Os testes da CBDC (Central Bank Digital Currency) brasileira estão em andamento, mas a autoridade monetária ainda não superou alguns impasses relacionados à privacidade.
A integração de sistemas de pagamentos internacionais vem sendo estudada em diferentes projetos pelo BIS (Banco de Compensações Internacionais), mais conhecido como Banco Central dos bancos centrais.
Uma dessas iniciativas era o projeto mBridge, que tinha como objetivo explorar uma plataforma de múltiplas moedas digitais para permitir pagamentos transfronteiriços instantâneos. Entre os colaboradores estavam os bancos centrais da China e dos Emirados Árabes Unidos, membros do Brics.
O projeto, contudo, foi descontinuado em meados do ano passado. Membros do BIS negaram que considerações políticas tenham pesado na decisão.