/ Jul 04, 2025

Desigualdade se combate com educação, não com IOF – 04/07/2025 – Deborah Bizarria

O governo tentou manter o aumento do IOF vendendo a ideia de que isso combateria a desigualdade. Em vídeos, slogans e artes nas redes, associou a medida à taxação de “bilionários, bancos e bets”, criando a ilusão de um ajuste que atinge apenas os de cima. A reação do Congresso, que derrubou o decreto com pressa incomum, sinalizou o óbvio: a medida é politicamente barulhenta com baixo impacto econômico na estrutura dos gastos públicos.

Diante disso, se o objetivo é reduzir desigualdades, por que não investir no que tem poder transformador? Por que seguimos priorizando gestos simbólicos em vez de políticas com potencial real de alterar trajetórias?

O Brasil investe cerca de 6% do PIB em educação pública, mais do que muitos países da OCDE. Mas ocupa uma das últimas posições nas avaliações internacionais de aprendizado. No Pisa 2022, entre 80 países avaliados, ficamos em 65º lugar em leitura, 66º em matemática e 52º em ciências. Aos quinze anos, boa parte dos estudantes brasileiros não compreende o que lê nem resolve operações matemáticas elementares. O contraste entre volume de gasto e resultados concretos se tornou rotina.

Um estudo do economista Amory Gethin oferece base empírica para reorganizar essa discussão. Utilizando dados de 154 países, cobrindo 97% da população global, o autor estima que a expansão educacional foi responsável por até 60% do crescimento da renda dos 20% mais pobres no mundo entre 1980 e 2019. Mesmo em países com sistemas frágeis, o impacto da escolaridade sobre a renda foi significativo. Para quem depende unicamente do próprio trabalho, estudar é a principal alavanca de progresso.

Vale lembrar que os mais pobres do mundo não estão apenas nos países de baixa renda. Estão também nas periferias das economias de renda média, como o Brasil, onde a escola existe, mas não ensina. E é justamente nesses contextos que a aprendizagem tem efeitos mais redistributivos. Porque é o único ativo que não exige herança, rede ou imóvel na planta. Só exige que a escola funcione.

O problema é que, por aqui, o funcionamento é desigual. Não se trata apenas de gastar pouco — gastamos mal. Há escolas com estrutura física adequada e baixa aprendizagem. Faltam professores formados em disciplinas-chave, sobram currículos com teoria e pouca aprendizagem prática sobre como dar aula e manter disciplina. Ainda, gestores sem autonomia ou incentivos para implementar mudanças.

Há exemplos do que funciona. No Ceará, a combinação de avaliação externa, apoio técnico e indução financeira colocou municípios pequenos entre os melhores do país. Políticas de reforço focadas em leitura e matemática nos primeiros anos do ensino fundamental, como as implementadas em Sobral, geraram ganhos sustentáveis mesmo com baixo orçamento. Avaliações experimentais também mostram que a formação de professores baseada em prática e gestão escolar profissionalizada aumenta substancialmente o aprendizado.

Nada disso exige mais gasto, exige encarar o fato de que o investimento público tem sido concentrado onde é mais fácil aplicar, não onde é mais necessário. Que a expansão do ensino superior, embora importante, favoreceu majoritariamente quem já teve acesso à boa educação básica. E que os mecanismos de alocação de recursos seguem pouco sensíveis às necessidades reais das escolas mais vulneráveis.

Quem não herda patrimônio ou redes de apoio precisa que a escola entregue algo real: conhecimento, mobilidade e perspectiva de futuro. Sem isso, outras políticas sociais apenas compensam falhas que a educação não resolveu. A polêmica do IOF expõe a superficialidade do nosso debate fiscal. É evidente que discutir a estrutura regressiva do sistema tributário brasileiro é necessário, mas não se começa por onde o impacto é quase nulo. Países desenvolvidos, aliás, zeraram esse tipo de imposto há tempos. Não é aumentando o IOF que vamos reduzir a pobreza.

Enquanto medidas simbólicas ganham destaque por serem fáceis de comunicar, o que de fato poderia alterar trajetórias segue sem prioridade. A educação exige decisões mais difíceis: gestão profissional, metas claras, financiamento vinculado a resultados e formação docente voltada à prática. Um país menos desigual não se constrói punindo transações financeiras, mas garantindo que quem herda limites encontre na escola a chance de romper o ciclo da pobreza.


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