Maricultores da baía da Ilha Grande, em Angra dos Reis, no litoral sul do Rio de Janeiro, tentam recuperar uma atividade característica da região: a produção de vieiras.
O município fluminense é polo nacional do cultivo desses moluscos, mas amargou uma mortandade que começou a ser sentida por volta de 2018.
Consideradas primas das ostras, as vieiras têm carne branca, conchas em forma de leque e grande apelo na alta gastronomia.
Ainda não há uma explicação definitiva para a mortandade dos últimos anos, mas piora da qualidade e mudanças de temperatura da água, além de questões genéticas, estão entre as hipóteses levantadas a partir de estudos, dizem representantes locais.
Segundo eles, a perda começou a ser estancada recentemente, em meio a projetos que miram a conservação da espécie.
A produção de vieiras ocorre a partir do desenvolvimento de larvas em laboratório. Em seguida, elas passam para a fase de engorda em fazendas no mar, já na forma de pré-sementes ou sementes, como são chamadas.
“A situação havia chegado a um limite. Não tinha vieira nem para botar na água e morrer”, afirma Felipe Barbosa, vice-presidente da Ambig (Associação dos Maricultores da Baía da Ilha Grande).
“A partir do momento em que a gente está tendo vieira para colocar na água, mesmo sem saber se ela vai sobreviver ou não, acho que já há uma retomada”, completa.
Nas fazendas marinhas, os moluscos são cultivados em gaiolas conhecidas como lanternas. O ciclo produtivo pode levar de um ano a um ano e meio, até o tamanho comercial (a partir de 7 cm de concha), conforme o IED-BIG (Instituto de Ecodesenvolvimento da Baía da Ilha Grande).
A instituição, criada nos anos 1990, atua na produção das vieiras em laboratório e faz a distribuição das sementes para os maricultores.
Antes da mortandade, o instituto chegou a repassar em torno de 1,5 milhão de unidades por ano, em uma média anual de 2015, 2016 e 2017, calcula o biólogo Renan Ribeiro, responsável pelo IED-BIG.
Durante a crise, diz, o número despencou para a faixa de 30 mil. Porém, de 2024 para cá, há sinais de recuperação, com cerca de 1 milhão de pré-sementes distribuídas, ainda segundo o responsável.
É preciso, agora, acompanhar qual será o grau de sobrevivência nas fazendas. Ribeiro associa os sinais de de recuperação à modernização do laboratório, a partir da compra de equipamentos, e a mudanças na atividade desenvolvida no mar.
“A gente viu duas necessidades. Investir na filtragem e esterilização da qualidade da água no laboratório, além de adquirir uma embarcação melhor para fazer o transporte [das sementes] para locais um pouco mais distantes do continente, também buscando uma qualidade de água melhor [no mar]”, explica.
Para implementar as medidas, o instituto obteve recursos junto ao TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) que visa compensar os impactos do vazamento de óleo no campo de Frade, na bacia de Campos, no Rio de Janeiro, em 2011 e 2012.
A petroleira Prio comprou a participação da Chevron no campo de Frade em 2019, herdando o passivo ambiental.
“A gente sugeriu ao Ibama e ao Ministério Público que a maricultura fosse um dos temas tratados pelo TAC Frade. A gente abriu a chamada, e seis instituições foram selecionadas. O IED-BIG é uma delas”, afirma Aline Almeida, coordenadora de meio ambiente e socioeconomia da Prio.
“O projeto possibilitou um novo respiro para a atividade, com equipamentos, pagamentos de bolsas, pesquisa”, completa.
Um boletim da Fiperj (Fundação Instituto de Pesca do Estado do Rio de Janeiro) aponta que, antes da crise, em 2017, Angra dos Reis havia produzido 33,6 mil dúzias de vieiras. O dado mais recente, relativo a 2024, indica um um patamar 93% menor (2.280 dúzias).
Sandro Costa, biólogo extensionista da Fiperj, diz que a vieira é um animal “bem sensível” a mudanças de temperatura ou qualidade da água em caso de possíveis impactos de alterações climáticas ou falta de saneamento básico, embora ainda não exista uma explicação definitiva para a mortandade dos últimos anos.
“A fotografia do momento é de remediação. Já passou o pior momento, e está se esboçando uma reação, porque estão sendo tomadas iniciativas para tentar detectar os problemas.”
AVANÇO EM VIEIRAS, MEXILHÕES E ALGAS
Com a perda das vieiras, produtores locais migraram para o que a Fiperj chama de espécies “emergentes”. Ou seja, que não tinham tanta presença na região.
Um exemplo é a produção de ostras em Angra, que saltou de apenas 60 dúzias em 2017 para 5.039 em 2024, conforme a fundação estadual.
Os mexilhões também ganharam espaço. A produção no município saiu de 276 kg em 2017 para 947 kg em 2024, ainda de acordo com a Fiperj. O levantamento se baseia em dados informados pelos produtores.
“A ostra e o mexilhão são animais mais resistentes, não sofreram tanto”, afirma Costa. “O maricultor precisa sobreviver. Em vez de investir na vieira, que estava tendo problema, começou a investir em outras espécies.”
Ele ainda chama a atenção para o aumento da produção de algas, que podem ter aplicações em diferentes ramos da indústria, como alimentício, farmacêutico e de cosméticos. A atividade nem era detectada na pesquisa da Fiperj em 2017 e vem crescendo no município.
“O caminho foi esse [migração]. Sou prova viva disso. Os mesmos clientes que compram vieira, compram ostra e mexilhão, só que Santa Catarina domina esse mercado, tem anos-luz à nossa frente”, afirma Felipe Barbosa, vice-presidente da Ambig.
“Os produtores da região tinham cometido um erro de colocar todos os ovos numa cesta só. As pessoas que trabalham com monocultura estão fadadas ao fracasso, porque o meio ambiente dá cada vez mais respostas que a gente não espera. Realmente, a alternativa foi trabalhar com ostra e mexilhão, além da alga, que surgiu em seguida”, completa.
O secretário-executivo da Ilha Grande, Carlos Kazuo, da Prefeitura de Angra, também avalia que a diversificação pode beneficiar a cadeia produtiva local nos próximos anos. “Dá uma segurança econômica.”
Kazuo já comandou a associação de maricultores da região e afirma que a prefeitura tem trabalhado em ações de capacitação.
Segundo ele, é preciso aguardar o desenvolvimento das sementes de vieira para entender qual será o tamanho da produção depois do período de mortandade.
Uma pesquisa anual do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) traz informações sobre o setor nos municípios até 2023.
À época, Angra teve a 19ª maior produção de ostras, vieiras e mexilhões do Brasil (quase 12,5 mil quilos). Os três itens não são divulgados de modo separado, apenas em conjunto.
O resultado de 2023 mostra um patamar distante do recorde registrado por Angra na série histórica do IBGE, iniciada em 2013. As máximas do município ocorreram em 2016 e 2017 (53 mil quilos em cada ano).
Em 2017, Angra chegou a ter a décima maior produção do Brasil, atrás apenas de nove municípios de Santa Catarina, na soma de vieiras, ostras e mexilhões.