/ Jul 06, 2025

Brasil precisa aumentar imposto de fumo, cerveja e cachaça – 06/07/2025 – Mercado

O Brasil deve aproveitar a regulamentação do Imposto Seletivo previsto na reforma tributária para aumentar a carga sobre fumo e bebidas alcoólicas, o que ajudaria a reduzir o consumo e gerar receitas para lidar com os efeitos nocivos desses produtos. Essa é a avaliação do pesquisador Jeffrey Drope, que participou da elaboração de uma proposta entregue ao governo brasileiro sobre a tributação de bebidas.

“O Brasil tem um longo caminho a percorrer para melhorar a tributação do álcool e aumentar significativamente a carga sobre esses produtos. As bebidas alcoólicas são muito baratas e isso ajuda a impulsionar o consumo elevado”, afirma o pesquisador da Escola de Saúde Pública Johns Hopkins Bloomberg (EUA), diretor do grupo de pesquisa Economics for Health e autor do projeto Atlas do Tabaco.

O Imposto Seletivo será aplicado sobre alguns bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente a partir de 2027. Para que isso ocorra, o governo Lula ainda precisa enviar ao Congresso um projeto com as alíquotas para cada um dos produtos que serão tributados.

O objetivo é manter a carga atual de produtos como fumo e bebidas alcoólicas, que atualmente já é mais alta que outros itens. Mas a lei determina que, se houver aumento de arrecadação com esse imposto, o governo será obrigado a reduzir a alíquota geral para os demais produtos.

Drope diz que a reforma, no caso do álcool e do fumo, está em linha com a experiência de países do norte da Europa, de utilizar uma alíquota como percentual do preço (ad valorem) combinada com uma taxa em reais (ad rem) reajustada anualmente.

Esse sistema já é utilizado atualmente no Brasil para o fumo, mas o congelamento do imposto de 2016 a 2024 prejudicou a política brasileira de combate ao tabaco. Para ele, os cigarros no Brasil estão entre os mais baratos da América Latina e é essencial garantir reajustes anuais no imposto superiores à inflação e ao crescimento real da renda.

Drope também defende o uso do Imposto Seletivo sobre bebidas açucaradas e bets, como previsto na reforma. “Vários países utilizam algumas dessas novas receitas para financiar programas de tratamento para vício em apostas, que é um desafio de saúde pública bem documentado a nível mundial.”

Qual a melhor forma para utilizar o Imposto Seletivo na tributação das bebidas alcoólicas e tabaco?

A melhor estrutura de Imposto Seletivo é híbrida, composta por ad rem (imposto baseado na unidade) e ad valorem (imposto baseado no valor). Mas depende mais do ad rem, porque ele aumenta o preço dos produtos mais baratos de forma mais eficaz e também reduz a diferença entre preços, o que significa que é menos provável que alguém encontre um produto mais barato e mude para ele. Em vez disso, as pessoas param de beber ou diminuem significativamente o consumo.

Impostos ad rem também são mais simples de implementar e é difícil evadir ou elidir o pagamento deles. As empresas podem manipular mais facilmente os impostos ad valorem, razão pela qual aconselhamos que a base de cálculo seja o preço de varejo, em vez de, por exemplo, na saída de fábrica. É aqui que vemos mais fraudes. Mas o ad valorem permite obter receitas adicionais de produtos premium e aumentar indiretamente a equidade, porque são as pessoas mais ricas que tendem a comprar produtos mais caros.

Em nossos modelos de simulação da reforma do Brasil, observamos que, se o ad rem for muito baixo, isso será potencialmente catastrófico em termos de preços para a cerveja. Nas nossas recomendações ao governo, fizemos questão de salientar que o valor tem de ultrapassar um certo limiar para ser eficaz tanto para a saúde pública como para o sucesso fiscal.

Qual seria esse limiar?

Nosso trabalho de simulação ainda está em andamento, e não temos esse detalhe no momento. O que podemos afirmar é que as evidências internacionais mostram que o componente específico (ad rem) deve representar pelo menos 50% da carga total do Imposto Seletivo para que haja ganhos significativos em saúde pública. Há vários caminhos possíveis para isso, mas qualquer nível que venha a ser definido precisa ser calculado com base nas metas de redução de consumo estabelecidas pelo Ministério da Saúde, garantindo que a estrutura tributária esteja alinhada com os objetivos de saúde.

Calculamos a carga tributária atual dos principais tipos de bebidas, e todas elas são muito baixas em comparação com os padrões internacionais. Da mesma forma, a carga tributária seletiva para cigarros já foi bem documentada em relatórios existentes, como o Cigarette Tax Scorecard, e é muito baixa, de 37,27% em 2022 para a marca mais vendida, em comparação ao parâmetro mínimo aceito internacionalmente de 70%.

O modelo proposto pela reforma representa um avanço em relação ao atual?

Para o tabaco, a estrutura é bastante semelhante [à atual]. A chave é definir alíquotas suficientemente elevadas para afetar a acessibilidade de forma consistente, e aumentar o componente ad rem. Os cigarros no Brasil estão entre os mais baratos da região. É essencial garantir que os ajustes anuais sejam superiores à combinação da inflação com o crescimento real da renda.

Também deve haver um mecanismo para garantir que o preço mínimo de varejo aumente. O problema depois de 2016 foi que não houve aumento da taxa ad rem ou do preço mínimo de varejo, e aquela que foi uma das melhores estruturas fiscais de tabaco no mundo, que reduziu consumo e aumentou receitas, teve um desempenho muito fraco posteriormente, pelo menos até a correção em 2024.

Para o álcool, a passagem de um sistema somente com ad valorem para um sistema híbrido, com um ad rem baseado no volume de álcool, é uma boa direção. Se as taxas forem suficientemente elevadas e for criado um mecanismo para aumentar regularmente os preços para garantir que as bebidas alcoólicas se tornem menos acessíveis ao longo do tempo, o Brasil terá uma das melhores estruturas fiscais sobre o álcool do mundo, em linha com os países do Norte da Europa, que a maioria dos especialistas avalia ter os melhores sistemas neste momento.

Finlândia, Dinamarca e Países Baixos, por exemplo, tributam o tabaco e o álcool de forma mais eficaz do que a maioria dos países. Nenhum país depende do IVA [Imposto sobre Valor Agregado] ou do imposto sobre vendas para elevar o preço dos produtos nocivos. Isso é trabalho do Imposto Seletivo.

No modelo que será adotado pelo Brasil, essas alíquotas podem variar de acordo com o teor de álcool e o tipo de produto. Isso é positivo?

Recomendamos que o ponto de partida para a tributação seja o ad rem sobre o volume de álcool, por exemplo X reais por 10 ml de etanol puro. Mas o Brasil tem um mercado um tanto complexo para o álcool, particularmente com a cachaça muito barata. Do ponto de vista da saúde pública, o objetivo é garantir que não existam produtos baratos. Se estiver claro que o preço por dose padrão de um determinado produto é muito baixo, pode haver uma razão de saúde pública para tributar mais essa bebida.

Esses setores afirmam que a tributação elevada é responsável pelo aumento do mercado ilegal e que impostos elevados não reduzem o consumo. Como você avalia essas questões?

Em volume, a maior parte do mercado brasileiro de bebidas alcoólicas é cerveja. Há pouca evidência de comércio ilícito desse produto no Brasil, e o mercado é dominado por duas multinacionais. É raro ver muita cerveja ilícita em países de renda média e alta com setores corporativos fortes. Os destilados, especialmente a cachaça, são muito baratos e não há evidências de comércio ilícito generalizado. O Brasil rastreia produtos alcoólicos em seu sistema de controle, e até agora a cadeia de suprimentos tem se mostrado, em grande parte, segura. Naturalmente, o governo terá de manter esforços e até melhorá-los.

A história é mais desafiadora para os cigarros no Brasil. Há evidências de uma cota de mercado de pelo menos 30% de cigarros ilícitos, diferente das estimativas infundadas e ridículas da indústria do tabaco de mais de 50%. É importante notar que, nos últimos anos, os preços caíram em termos reais, e isso não teve efeito sobre o tamanho do mercado ilícito. Na realidade, trata-se sobretudo de uma questão do lado da oferta com a preponderância dos cigarros vindos do Paraguai. O Brasil precisa realizar maiores esforços para assegurar essa cadeia de suprimentos.

Em outros países, pesquisas mostram muito pouca relação entre aumento de imposto e comércio ilícito de cigarros.

Que resultados foram obtidos com essas políticas em outros países e no Brasil?

Para o tabaco, do início da década de 2010 até 2016, o Brasil apresentava uma das melhores estruturas de impostos e desempenho do mundo. O consumo e a prevalência do tabagismo diminuíram, e as receitas fiscais aumentaram. Mas os ajustes pararam em 2016. Temos visto um aumento na prevalência. A reforma tributária é uma oportunidade para colocar o Brasil de volta no topo e na categoria de alto desempenho.

Alguns dos resultados mais espetaculares vieram da Austrália e da Nova Zelândia nos últimos anos, mas basearam-se apenas num imposto ad rem que foi aumentado bem acima da inflação e do crescimento real da renda. Muitos países do Norte da Europa, que usam uma estrutura fiscal híbrida semelhante à do Brasil, não foram tão agressivos, mas ainda têm impostos sobre o tabaco mais eficazes do que a maioria. O Brasil poderia facilmente superar o desempenho deles se estabelecer um Imposto Seletivo suficientemente alto, e se for implementado um mecanismo forte de aumentos pelo menos anuais nessas taxas.

A possibilidade de isenção para pequenos produtores de bebidas é um aspecto negativo da legislação brasileira?

Não aconselhamos essas isenções. Os produtos que eles fabricam são tão prejudiciais quanto os das grandes empresas. Além disso, segundo nossa experiência, os grandes produtores comprarão secretamente pequenos ou, em alguns casos, separarão as empresas para se beneficiarem de impostos mais baixos. O tratamento uniforme dos produtores atenua essa questão.

O Imposto Seletivo sobre bebidas açucaradas previsto na reforma pode gerar os mesmos resultados?

Há evidências de que um imposto razoavelmente elevado sobre as bebidas açucaradas ajudará a reduzir o consumo. Há também provas preliminares de que surte efeitos positivos na saúde pública, especialmente na saúde oral, e pode ajudar a diminuir os níveis de diabetes sob algumas condições. São necessários mais estudos para demonstrar os efeitos sobre as mudanças na obesidade, em grande parte porque existem mais substitutos para as bebidas açucaradas do que para os produtos do tabaco e do álcool.

A lei também introduz um Imposto Seletivo sobre concursos de prognósticos, bets e apostas de esportes. Outros países têm seguido essa linha?

A nossa equipe de Economia para a Saúde trabalhou recentemente nesse tópico para um governo do Sudeste Asiático e, em geral, apoiamos a tributação destas atividades. Os usuários respondem ao preço e apostam menos quando o custo é maior. Vários países utilizam algumas dessas novas receitas para financiar programas de tratamento para vício em apostas, que é um desafio de saúde pública bem documentado a nível mundial. As “melhores práticas” em matéria de tributação desses serviços continuam a vir à tona, porque a maioria dos países não os tributam de forma eficaz ou de forma alguma.



Toronto (Canadá), 1971. Professor pesquisador na Escola de Saúde Pública Johns Hopkins Bloomberg, diretor do projeto de pesquisa Economics for Health (Economia para a Saúde, anteriormente Tobacconomics) e autor principal/editor do Projeto Atlas do Tabaco

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