O governo brasileiro avançou em um acordo assinado com a China, para estruturar o plano de viabilidade do corredor ferroviário bioceânico Brasil-Peru. Memorando firmado com os chineses define que a estatal Infra S.A., ligada ao Ministério dos Transportes, será o canal responsável pela articulação, coleta de dados, estudos ambientais e suporte institucional do projeto.
Do lado da China, o projeto será tocado por um grupo técnico liderado pelo China Railway Economic and Planning Research Institute.
O plano prevê que a ferrovia saia do porto de Chancay, no litoral do Peru, onde os chineses já estabeleceram um dos maiores portos da América Latina, e avance pelo território peruano até Cusco e Pucallpa, chegando até o Acre, no Brasil.
A partir de Rio Branco, o projeto ferroviário prevê a construção de um traçado que cruzaria Rondônia, nas proximidades da BR-364, até chegar a Mato Grosso, onde já está em construção parte da Fico (Ferrovia de Integração Centro-Oeste).
Esta malha, ligada à Fiol (Ferrovia de Integração Oeste-Leste), cruzaria Goiás e entraria na Bahia, para terminar nas margens do porto Sul de Ilhéus. Ao todo, são aproximadamente 4,5 mil km de ferrovias neste traçado.
O secretário nacional de transporte ferroviário do Ministério dos Transportes, Leonardo Ribeiro, confirmou o andamento dos acordos. “Esse memorando e os passos que estamos dando agora são resultados de uma atuação diplomática e técnica iniciada em abril entre o governo brasileiro e a China. Do nosso lado, já avançamos bastante com a Fico e a Fiol. Essa parceria ajuda a avançar do lado peruano”, comentou.
O corredor ferroviário é visto como um dos maiores projetos logísticos do mundo, com potencial de reduzir em até dez dias o tempo de transporte de cargas entre os portos brasileiros do Atlântico e os mercados asiáticos, via porto de Chancay. Estima-se que cerca de US$ 350 bilhões por ano em exportações brasileiras tenham como destino a China, dos quais 60% correspondem a minério de ferro e soja.
“Esse acordo abre portas para que a China passe, efetivamente, a participar dos projetos brasileiros. No fim do dia, esse trabalho vai dar ainda mais segurança para atração de novos investimentos”, disse Leonardo Ribeiro.
Como mostrou a Folha, os chineses passaram a fazer um levantamento detalhado das concessões logísticas do Brasil para analisar a possibilidade de entrar em projetos ferroviários, além de portos, hidrovias e rodovias, repetindo um movimento que já consolidaram no setor elétrico.
Uma série de reuniões e encontros bilaterais foram realizados nos últimos meses, incluindo visitas presidenciais entre Brasil e China e constantes viagens de equipes técnicas de ambos os países.
Em maio, uma delegação de 11 autoridades chinesas fez visitas de campo a obras como as ferrovias Fico e Fiol, que devem cortar o Brasil de leste a oeste, interligando a área produtora de grãos de Mato Grosso ao litoral baiano, em Ilhéus.
O grupo chinês também passou pelo porto de Santos, que está próximo de realizar o leilão de seu novo terminal de contêineres, previsto para ser o maior empreendimento deste tipo já realizado pelo Brasil.
A estatal chinesa Cosco Shipping é nome por trás do novo complexo portuário de Chancay, que fica a 70 km da capital peruana, Lima. Com investimento total de US$ 3,5 bilhões (mais de R$ 20 bilhões na cotação atual) Chancay é hoje o maior empreendimento chinês fora do país asiático. Depois de uma inauguração simbólica em novembro do ano passado, vai começar a operar efetivamente em março.
Na área rodoviária, a integração está mais adiantada em relação ao projeto que passou a ser chamado de “Corredor Bioceânico”, desta vez envolvendo o Chile. A nova rota será viabilizada a partir de uma série de estradas que já existem, além de trechos que passam por obras de melhorias e pequenos traçados em fase de pavimentação.
O traçado sai do Brasil, atravessando o Paraguai e a Argentina, até chegar ao Chile. Uma ponte, que conectará Porto Murtinho (MS), no Brasil, a Carmelo Peralta, no Paraguai, é a principal obra do projeto, e está sendo realizada pela Itaipu Binacional, em acordo com o Paraguai.
A travessia está em fase de construção e, segundo a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, será concluída em maio de 2026. Outros 200 km de pavimentação estão em andamento no território paraguaio e deverão estar asfaltados até dezembro do ano que vem, embora a pavimentação tenha previsão de ser concluída antes disso.
Com esses dois empreendimentos, o corredor rodoviário estará viabilizado, segundo Tebet, interligando os portos brasileiros do Sudeste e do Sul do Brasil, no Atlântico, até os portos do Chile, no oceano Pacífico.
A extensão total entre Campo Grande (MS) e os portos de Antofagasta e Iquique, no Chile, por exemplo, é de aproximadamente 2.400 km. Hoje, caminhões com carnes e grãos que saem de Mato Grosso do Sul precisam descer até o Rio Grande do Sul para, a partir de lá, seguir até o Chile, num percurso muito maior.
Em parceria com países vizinhos, o governo brasileiro tem trabalhado, desde 2023, no programa Rotas de Integração Sul-Americana, que prevê cinco caminhos de acesso a países de fronteira com o Brasil. A conexão mais viável e avançada, neste momento, é a chamada “Rota 2”, que prevê a interligação do Peru com o Brasil por meio da hidrovia do rio Solimões, que forma o rio Amazonas.