Assistimos nas últimas semanas à escalada dos conflitos entre Congresso e Poder Executivo.
Em resposta à decisão do governo de elevar o IOF —um tributo cuja finalidade original é regulatória e não arrecadatória— como forma de compensar os desequilíbrios e a imprevisibilidade de sua política fiscal, a Câmara aprovou por 383 votos a 98 um decreto legislativo anulando a medida; no que foi imediatamente seguida pelo Senado.
A gravidade da iniciativa pode ser avaliada por sua raridade: desde 1992, o Legislativo não anulava formalmente um decreto presidencial. Mesmo considerando-se todos os normativos do Poder Executivo, apenas oito projetos de decreto legislativo foram aprovados nas duas casas entre 2005 e 2025, em um universo de mais de 2.500 apresentados.
O governo reagiu pedindo ao STF a derrubada do decreto legislativo.
O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, determinou na sexta-feira (4) a suspensão de ambos os decretos do IOF —tanto o do Executivo, quanto o do Legislativo— e convocou as partes para uma audiência de conciliação no próximo dia 15.
A incapacidade de diálogo entre as principais instâncias de poder da nação é tudo de que não necessita um país onde há tanto por fazer para garantir estabilidade e crescimento econômico. Ainda pior —muito pior— é a tentativa de transformar o desentendimento entre os Poderes em uma cruzada ideológica, ressuscitando a estratégia do “nós contra eles”, que nada produziu além de divisão e ressentimento.
Encerro por aqui essa descrição tentativa do quadro político atual, certo de haver pessoas muito mais capacitadas do que eu para analisá-lo e extrair conclusões. Meu objetivo foi apenas o de pintar um pano de fundo para a ideia que pretendo defender.
Penso frequentemente em como nos confortam os erros cometidos pelos outros. Além de permitirem que nos sintamos superiores, ainda proveem alívio de consciência para nossos próprios malfeitos. Em minha experiência de vida —que já começa a tornar-se longa— não me lembro de jamais ter encontrado alguém que se assumisse como desonesto.
Aqueles que corrompem, deixam-se corromper, sonegam ou simplesmente dirigem pelo acostamento sempre têm alguma justificativa que lhes aplaque a culpa. E, se todas as explicações falham, sempre resta uma última e imbatível: “Mas outros também fazem, não?”.
Assim também nós, que pomos tantos reparos à forma como Executivo, Legislativo e até Judiciário conduzem os negócios da nação, podemos encontrar conforto nessa posição de “cobradores” e deixarmos em segundo plano a reflexão sobre os pontos em que podemos estar falhando ao nosso compromisso com o país (e conosco mesmos).
Creio que existe uma oportunidade de sermos consequentes com nosso discurso de valorização da justiça tributária ao apoiarmos a aprovação do PL 1.087/2025, que se encontra em tramitação no Congresso. O PL prevê basicamente o seguinte:
- Isenção total de IR para quem recebe até R$ 5.000 por mês;
- Reduções parciais de alíquota para quem ganha entre R$ 5.000 e R$ 7.000 por mês;
- Estabelecimento de uma alíquota mínima de IR de 10% para quem tem renda superior a R$ 100 mil por mês (R$ 1,2 milhão por ano). Essa alíquota mínima se reduz linearmente até zero para quem ganha até R$ 50 mil por mês; de modo que seria, por exemplo, de 5% para quem ganha R$ 75 mil por mês.
O terceiro ponto visa justamente a compensar a perda de arrecadação decorrente dos dois primeiros. Desse modo, estima-se que a aprovação do decreto seja neutra do ponto de vista da parcela do PIB representada pela carga tributária.
Já antes do acirramento do conflito entre Executivo e Legislativo, analistas políticos previam que o Congresso poderia aprovar as isenções, mas que haveria grandes dificuldades na aprovação da alíquota mínima de 10%.
Eu não pretendo discutir se a concessão das reduções previstas nos pontos 1 e 2 —em que pesem seus inegáveis efeitos positivos sobre o consumo— é a melhor utilização possível para recursos fiscais, pois não é esse o aspecto que mais importa aqui. Mas acho importante afirmar que considero justo e mesmo inteligente o mecanismo que institui a alíquota mínima de 10% para rendas superiores a R$ 1,2 milhões anuais.
O mecanismo de cálculo é simples: o contribuinte pessoa física soma todas as suas rendas de salários, aluguéis, juros, lucros e dividendos recebidos ao longo do exercício e —se forem superiores a R$ 600 mil— compara o total de imposto a pagar e recolhido na fonte segundo as regras hoje vigentes, com a alíquota mínima (que varia linearmente entre 0 e 10% para valores entre R$ 600 mil e R$ 1,2 milhão por ano).
Se o imposto total segundo as regras vigentes for inferior à alíquota mínima, o contribuinte deverá pagar o imposto complementar necessário para atingir o percentual mínimo estabelecido.
Se o imposto total segundo as regras vigentes for superior à alíquota mínima, nenhum pagamento adicional será devido pelo contribuinte. Naturalmente, a existência dessa alíquota será indiferente, não apenas para aqueles cuja renda é inferior a R$ 600 mil por ano, mas também, por exemplo, para todos os assalariados, que nesses níveis de renda já estão sujeitos a um IR de 27,5%, muito superior ao piso estabelecido pela nova lei.
Parece-me difícil justificar que alguém com proventos superiores a R$ 100 mil por mês possa pagar menos de 10% de IR, quando computados todos os impostos sobre a renda a que está sujeito. Não vejo assim razão defensável para que deixemos de apoiar a aprovação dessa norma pelo Legislativo.
Creio que, em a aprovando, o Congresso dará uma demonstração inequívoca de sua capacidade de alinhar-se aos objetivos do Executivo, quando esses são razoáveis, equitativos e visam ao equilíbrio e crescimento econômico. E todos teríamos a ganhar com esse gesto.