O acerto de contas entre o governo federal e a concessionária ABV (Aeroportos Brasil Viracopos), empresa que administra o quinto maior aeroporto do país, em Campinas (SP), está longe de ter uma solução consensual.
A ABV, que afirma ter bilhões a receber da União em indenizações como condição para deixar o contrato, agora passou a ser apontada pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) como a real devedora.
A Folha teve acesso aos cálculos que a agência reguladora encaminhou ao TCU (Tribunal de Contas da União). Nos cálculos da Anac, a concessionária tem, de fato, direito a receber uma indenização de ao menos R$ 2,7 bilhões relacionados a investimentos que foram feitos pela empresa em bens ainda não amortizados, ou seja, bens que ainda não se pagaram integralmente ao longo do tempo de uso previsto em contrato.
A Lei de Concessões (8.987) estabelece que, ao término do contrato, a empresa tem direito a indenização por investimentos ainda não amortizados. Isso visa garantir que a iniciativa privada não sofra prejuízos com a reversão desses bens ao poder público, seja quando o contrato chega ao fim do prazo previsto ou é extinto por outras causas.
Acontece que, sobre o valor calculado, é preciso descontar todas as dívidas que, segundo a Anac, a empresa acumulou nos últimos anos, como multas contratuais e as outorgas, valores que a concessionária paga ao governo para poder explorar o bem público.
A agência afirma que, só de outorgas vencidas já são mais de R$ 2,4 bilhões até agora. Até dezembro deste ano, outros R$ 473 milhões vão vencer. Há, ainda, quase R$ 1 bilhão em multas a serem pagas, entre outras faturas em aberto. Fechando a conta, de acordo com a Anac, a ABV teria um passivo acumulado com a União de R$ 1,17 bilhão.
Esses cálculos serviram de base para os argumentos da Anac para tentar convencer o TCU a liberar a relicitação do aeroporto. “Não há, atualmente, expectativa razoável de que a concessionária tenha valores a receber após a realização do encontro de contas”, afirmou a agência reguladora à corte.
“Pelo contrário, calcula-se um valor devido pela concessionária que já ultrapassa 1 bilhão de reais, destacando-se que tais valores foram calculados a preços de hoje, e não incorporam, por exemplo, juros moratórios que serão aplicados sobre as outorgas vencidas até a data do pagamento.”
O TCU, no entanto, não acatou o pedido, voltou a cobrar a necessidade de uma auditoria externa e independente para validar os cálculos e decidiu, nesta semana, reafirmar que o tempo para relicitar o aeroporto de Viracopos se esgotou no dia 2 de junho. O caminho, agora, seria a caducidade do contrato atual com a ABV e a realização de um novo leilão de concessão.
A ABV foi questionada sobre o assunto, mas declarou que não iria comentar o caso. A Anac declarou que “analisa os termos da decisão do Tribunal de Contas da União do dia 2 de julho de 2025 e informa que cumprirá todas as determinações exaradas pela corte de contas”.
Nos cálculos da ABV, o cenário detalhado pela Anac é uma ficção. A concessionária alega que suas indenizações não seriam de R$ 2,7 bilhões, mas sim de R$ 5,7 bilhões. A empresa diz ainda que o governo estaria ignorando cálculos com desapropriações e de reequilíbrio do contrato, que colocam mais R$ 2,6 bilhões em jogo. Na linha final de sua calculadora, a ABV diz que tem R$ 4,2 bilhões a receber da União.
As divergências estão sendo tratadas por uma arbitragem, que deve ter uma primeira reunião com peritos na próximas semana, para reunir informações. Não há prazo para conclusão desse trabalho.
Viracopos é o quinto maior aeroporto do país em movimentação de passageiros e o maior em importação de carga. O aeroporto foi concedido em 2012 para a ABV, uma sociedade formada pela estatal Infraero, que detém 49% de participação, e a empresa ABSA, dona dos demais 51% e composta por três grupos privados: as brasileiras Triunfo e UTC e a francesa Egis Airport Operation.
A concessão tinha prazo de 30 anos, mas passou a apresentar dificuldades financeiras já nos primeiros anos de contrato, devido à arrecadação inferior ao esperado e ao alto custo do contrato, com suas parcelas anuais fixas.
Seis anos depois de iniciada a sua operação, a ABV entrou com pedido de recuperação judicial, acumulando dívidas de R$ 5,05 bilhões. Naquele mesmo ano, a Anac abriu um processo de caducidade do contrato, alegando descumprimento de obrigações, como o não pagamento da outorga anual.
Em 2020, a ABV formalizou o pedido de relicitação do aeroporto junto à Anac, suspendendo o processo de caducidade, com o objetivo de fazer um acerto de contas e transferir o aeroporto para outro dono. A pandemia da Covid-19, porém, atrasou novamente o processo, com o colapso do setor aeroportuário.
Em 2023, a ABV e a Anac chegaram a iniciar tratativas em busca de um possível acordo para manter a concessão e suspenderam a ideia de relicitação, com atuação da secretaria de consenso do TCU (Tribunal de Contas da União). As negociações, porém, fracassaram no fim do ano passado, e o processo de relicitação foi retomado, com data de vencimento em junho deste ano.
O TCU exigiu a entrega de uma auditoria externa sobre as contas, para autorizar essa relicitação. A Anac, porém, não entregou esse estudo dentro do prazo. A planilha usada no cálculo do valor de indenização dá uma ideia da complexidade do caso. Essa base de dados tem mais de 44 mil linhas, em que cada uma representa um gasto realizado pela concessionária.