Os dados do Censo 2022 divulgados pelo IBGE sobre pessoas com deficiência no Brasil, mais do que estatísticas, revelam o quanto ainda desconhecemos as realidades dessa população. Ainda não há consenso sobre o que é deficiência e, sempre que reduzem nosso número, diminuem também nossas urgências, demandas e representatividade.
O dado mais sensível revelado é que o Brasil conta 14,4 milhões de pessoas com deficiência, o equivalente a 7,3% da população. Trata-se de um dos menores índices já registrados. O número está muito abaixo da média global estimada pela OMS, que aponta que 15% da população mundial (mais de 1 bilhão de pessoas) vive com alguma deficiência.
Apesar do IBGE alegar mudança metodológica, não se pode ignorar o impacto simbólico e prático dessa redução. Em 2010, o Censo estimava 45 milhões de pessoas com deficiência no Brasil (25% da população). Já a PNS de 2019 apontava 17,3 milhões (8,4%). Como justificar essa queda, especialmente num país marcado por desigualdades históricas, alta violência e grande número de sequelas causadas pela pandemia?
Apesar de avanços culturais, é incoerente nos declararmos pessoas com deficiência mais nas empresas e escolas e menos no Censo. Quanto menos somos contabilizados, menos urgentes e legítimas parecem ser nossas demandas. A própria Lei de Cotas, fundamental para corrigir desigualdades no mercado de trabalho, segue sob ataques.
Um dado que evidencia o capacitismo estrutural está na escolaridade: entre pessoas com deficiência com 15 anos ou mais, 2,9 milhões são analfabetas (taxa de 21,3%, quatro vezes superior à de pessoas sem deficiência, de 5,2%). Além disso, 63,1% não completaram o ensino fundamental, ante 32,3% entre pessoas sem deficiência. Só 7,4% concluíram o ensino superior, enquanto entre pessoas sem deficiência esse índice é de 19,5%.
É necessário cuidado ao usar esses dados como justificativa para não contratar pessoas com deficiência. A baixa escolaridade reflete, na verdade, falta de acessibilidade desde a infância, com estruturas e metodologias inadequadas e educadores despreparados.
Mesmo em empresas que se dizem inclusivas, profissionais com deficiência com ensino superior seguem estagnados. Segundo a pesquisa “Radar da Inclusão”, 84% não ocupam cargos de liderança. Entre os que têm mais de três anos na mesma empresa, 63% nunca foram promovidos. Isso não é falta de competência, é barreira atitudinal que impede o reconhecimento de potenciais e interseccionalidades.
Pela primeira vez, o Censo incluiu dados sobre pessoas com TEA (Transtorno do Espectro Autista). É essencial dar visibilidade ao tema, mas é preciso lembrar: toda deficiência importa. A realidade é que os dados do Censo 2022 ainda não vão nos ajudar. Enquanto não houver entendimento real e profundo sobre o que é deficiência, continuaremos sendo dados inexpressivos em um país que insiste em nos invisibilizar. Temos hoje um estudo que não engaja decisores, não promove nossas demandas e não nos representa de fato.
Esse cenário reforça a missão de quem atua por diversidade, equidade e inclusão: promover letramento, aperfeiçoar a humanidade e construir um Brasil mais justo, diverso e verdadeiramente inclusivo.
O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço “Políticas e Justiça” da Folha de S. Paulo sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Carolina Ignarra foi “De toda a cor”, de Renato Luciano.