Adotada pela primeira vez no ano passado, a ação afirmativa de gênero do Itamaraty para elevar o número de mulheres que passam no concurso da diplomacia não surtiu efeito significativo. Apesar de elas terem representado 45% dos inscritos no certame, foram apenas 32% do total de aprovados para a carreira —só um ponto acima do número observado em 2023.
Foi o maior percentual de mulheres candidatas no concurso pelo menos desde 2005, segundo dados do MRE (Ministério das Relações Exteriores). Com a política, houve a convocação adicional de até 75 candidatas na segunda das duas fases da prova, para que elas fossem ao menos 40% do total de classificados para essa etapa, cifra similar à média de inscritas.
A meta se cumpriu, com mulheres sendo 40,8% dos classificados para a segunda fase. No entanto, não houve reflexos relevantes no resultado final.
A medida tentou corrigir uma distorção histórica que fez mulheres serem, em média, 26% dos aprovados no certame entre 2003 e 2023.
A segunda edição do CNU (Concurso Nacional Unificado) terá uma iniciativa similar, inspirada no Itamaraty: haverá convocação adicional de candidatas para que elas sejam ao menos metade dos aprovados na segunda fase em cada cargo e modalidade de cota.
No primeiro CNU, mulheres foram 56% dos inscritos, mas apenas 37% dos aprovados, o que motivou a decisão do MGI (Ministério da Gestão e da Inovação) de adotar a ação afirmativa com base na experiência do MRE.
Procurado, o MGI disse que a ministra Esther Dweck, chefe da pasta, já se pronunciou sobre a medida adotada nesta edição do certame. A pasta não ofereceu comentários adicionais sobre o baixo índice de aprovação das mulheres na política do Itamaraty.
“[Existe] a tripla jornada. A média de idade dos aprovados é entre 35 e 45 [anos], são pessoas que já estão inseridas no mercado de trabalho e já têm filhos. Se for exigido das mulheres que elas dediquem estudo específico para a prova, vai haver desigualdade [em relação aos] homens”, afirmou Dweck ao anunciar a política na última segunda (30).
Em nota, o Itamaraty afirma que, das 16 mulheres aprovadas no certame, oito foram beneficiárias da ação afirmativa. Para o órgão, isso demonstra que a medida foi exitosa em manter candidatas que poderiam ter sido eliminadas na primeira fase e em aumentar o número de mulheres aprovadas. O MRE declara ainda que a política será aplicada de novo no certame deste ano e em edições futuras, sendo objeto de constante avaliação.
Um desafio particular do concurso para diplomatas é que a cifra de candidatas não condiz com a demografia brasileira. Elas são apenas 40% dos inscritos, mas representam 51,5% da população do país.
A rotina diplomática costuma exigir que o servidor mude de país e adote jornadas longas de trabalho, que em geral se contrapõem às expectativas tradicionais colocadas sobre as mulheres em relação ao cuidado familiar. Por isso, há uma dificuldade em atrair candidatas ao certame, segundo Paula Frias, cientista política e coordenadora de dados da República.org, instituição voltada à gestão de pessoas no funcionalismo.
Ela afirma que o aumento da proporcionalidade representa um avanço, mas não é suficiente para elevar a paridade de gênero. Isso porque, segundo Paula, se a nota das mulheres que passam para a segunda fase ainda for muito inferior à dos homens, a política pode se tornar inócua.
Para isso, ela diz que seria preciso revisar critérios de avaliação e identificar possíveis vieses de correção, além de considerar desafios particulares que as mulheres enfrentam. Isso inclui, por exemplo, a dificuldade para manter a carga de estudos necessária para ser aprovada em um certame concorrido como dos diplomatas, devido à jornada tripla de trabalho.
“Também é importante considerar que essas carreiras seguem sendo majoritariamente masculinas, o que faz com que muitas mulheres nem se vejam nesses espaços. Sem políticas afirmativas voltadas especificamente para gênero, o sistema tende a manter as mesmas distorções de sempre”, afirma Paula.
Segundo Jessika Moreira, diretora-executiva do Movimento Pessoas à Frente, a cifra de 40% no Itamaraty pode ser um bom ponto de partida, mas é preciso ter uma meta mais ambiciosa para garantir a equidade. É o caso do CNU, que estabeleceu percentual mínimo de 50% para aprovadas na segunda fase.
Ela defende ainda a presença de mulheres, sobretudo as negras, para além dos cargos de entrada, mas também no alto escalão do setor público. “É importante que essas mulheres tenham a possibilidade de não apenas acessar, mas principalmente de se manter no funcionalismo público.”