O acordo fechado pelo governo para devolver os descontos indevidos nas aposentadorias do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) prevê que parte dos segurados que contestarem a adesão a associações e sindicatos poderá ter que brigar na Justiça para reaver os valores.
Um dos itens do documento estabelece que, se uma associação indicar que o desconto foi legítimo por meio do envio de documentação, o segurado poderá contestar essa prova. Isso poderá ser feito, por exemplo, ao dizer que o material não é de sua titularidade, que reconhece os dados mas não a assinatura, ou ainda que assinou sob indução ao erro —desde que apresente evidências que comprovem que os documentos apresentados não são autênticos.
Se, de fato, houver indícios de falsificação ou de irregularidade, o caso será enviado ao MPF (Ministério Público Federal), e a associação será notificada para devolver os valores em até cinco dias úteis. Nos casos em que ela não pagar, no entanto, o INSS encerrará a análise do caso e orientará o aposentado a buscar assistência jurídica, podendo indicar a Defensoria Pública, para entrar com ação judicial.
Shynaide Mafra, presidente da Comissão Especial de Direito Previdenciário da OAB Nacional, afirma que a previsão de encerrar o processo administrativo nos casos em que há controvérsia sobre a autorização dada por aposentados para aderirem às entidades foi necessária para viabilizar o acordo.
Segundo ela, permitir que esses casos, que envolvem disputa sobre a autenticidade de documentos, fossem resolvidos administrativamente exigiria um processo mais complexo e custoso, como perícias técnicas, o que inviabilizaria sua execução em larga escala.
A presidente diz que a realização de uma perícia grafológica para analisar a autenticidade das assinaturas em documentos apresentados pelas associações seria inviável nesse momento.
No início de junho, o ministro da Previdência, Wolney Queiroz, citou a perícia como um recurso para solucionar casos em que há dúvida sobre a autorização. “Em última instância, vai ter que haver uma perícia judicial para definir, porque trata-se de um ressarcimento que poderia caracterizar enriquecimento ilícito se a pessoa recebeu benefício da sociedade ou da associação e agora diz que não recebeu. Tem que ter uma instância que faça essa análise e que diga efetivamente se essa perícia resulta em um documento falso ou se resulta em um documento verdadeiro”, disse, na época.
“A perícia grafotécnica é extremamente cara e poucas pessoas fazem. Imagine como seria analisar caso a caso isso. E ainda tem um detalhe: isso ficaria a custo do INSS. Terminaria sendo muito mais caro do que pagar as devoluções”, afirma Shynaide Mafra. Ela diz ainda que os casos em que houver comprovação de danos morais poderão ser judicializados separadamente, contra a associação, caso o beneficiário entenda que houve violação de direitos além do desconto indevido.
PREJUÍZO PARA O BENEFICIÁRIO?
O professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) Luís Lopes Martins, especialista em direito previdenciário, diz que, pelo acordo fechado com o INSS, “basta a simples indicação pela associação de que aquele foi um desconto legítimo para que o procedimento de devolução saia do escopo administrativo e necessariamente precise passar por uma via judicial”.
Com isso, ele diz que o ônus maior fica para os beneficiários. “Toda medida que atribui ônus para os aposentados e para os pensionistas, para que eles tenham essa restituição, significa, no final das contas, excluir pessoas dessa restituição simplesmente porque elas não vão ser capazes ou não vão dar sequência a esses passos burocráticos necessários”, diz.
“O que o INSS está fazendo é pegar todas essas hipóteses em que houve uma mínima indicação de negativa da fraude e saindo do jogo, impossibilitando a apuração administrativa —pelo menos via esse plano— da existência ou não da fraude”, diz o especialista.
“Todos os números que a gente tem tido acesso, seja o estudo inicial da CGU [Controladoria-Geral da União], seja os números do próprio plano divulgado pelo INSS, mostram que o que houve ali não foi uma fraude residual.”
Nos casos em que o processo administrativo não resultar em devolução, o plano prevê que o aposentado ou seu representante legal poderá pedir formalmente o envio da íntegra do procedimento para entrar com ação judicial.
A presidente da Comissão de Direito Previdenciário da OAB-SP, Joseane Zanardi Parodi, recomenda que as pessoas façam boletim de ocorrência em todas as situações em que observarem fraudes.
Ela também considera que o formato atual do plano pode excluir parte dos aposentados. Joseane cita casos, por exemplo, em que associações apresentaram gravações como suposta prova de autorização, mas que os próprios beneficiários negaram a autenticidade do áudio. “Nesses casos, uma perícia [administrativa] deveria ser feita para averiguar todos os documentos”, afirma a especialista.
EM QUE CASOS O INSS DEVOLVERÁ OS VALORES AOS BENEFICIÁRIOS?
Segundo a AGU (Advocacia-Geral da União), cerca de 2,27 milhões de aposentados e pensionistas que contestaram os descontos, mas não tiveram resposta das entidades no prazo de 15 dias úteis, poderão aderir ao acordo e receber pela via administrativa já no primeiro lote de pagamentos, previsto para o dia 24 de julho. Os valores serão depositados na mesma conta em que o beneficiário recebe o benefício.
Ao todo, o INSS recebeu 3,75 milhões de contestações. Destas, quase 60% ficaram sem resposta das associações. Outros 828 mil casos foram respondidos com documentos enviados pelas associações e sindicatos e ainda estão sob análise do INSS. Esses pedidos de devolução, portanto, não entram no primeiro cronograma de ressarcimento e ainda não é possível determinar quais documentos são verdadeiros.
PASSO A PASSO PARA PEDIR A DEVOLUÇÃO
- Entre no site ou aplicativo Meu INSS
- Informe seu CPF e a senha cadastrada
- Siga para “Do que você precisa?”
- Digite: “Consultar descontos de entidades”
- Caso tenha descontos, marque se foram ou não autorizados
- Informe email e telefone para contato
- Declare se os dados são verdadeiros
- Confirme no botão “Enviar Declarações”
Como fazer o pedido pessoalmente
Aposentados também podem procurar agências próprias dos Correios para buscar ajuda com a consulta e o pedido de devolução de descontos indevidos.