Os negociadores da União Europeia estão prestes a fechar um acordo comercial com os EUA que consolidaria tarifas mais altas do que as concedidas ao Reino Unido, um dividendo do Brexit que abalou algumas capitais europeias.
Bruxelas está pronta para assinar um acordo temporário de “estrutura” que estabelece as tarifas recíprocas do presidente dos EUA em 10%, enquanto as negociações continuarão, igualando a tarifa básica imposta ao Reino Unido.
Mas a UE não espera alcançar o mesmo acesso ao mercado norte-americano que o aço, carros e outros produtos britânicos sujeitos a tarifas setoriais, segundo seis diplomatas com acesso às negociações. Trump, que apoiou a decisão do Reino Unido de deixar o bloco em 2016, está exigindo tarifas de 17% sobre alimentos da UE.
Um dos diplomatas ouvidos pela reportagem admitiu que o acordo do Reino Unido com os EUA foi melhor que o negociado pela UE, e que a situação surpreendeu o bloco econômico, em virtude do tempo que as duas partes estão negociando.
Quando Londres fechou o primeiro acordo em maio, diplomatas e funcionários da UE deixaram claro que acreditavam que o governo britânico aceitou rapidamente um acordo e fixou termos desvantajosos.
A União Europeia estava mais confiante de que seu maior peso econômico —como o maior bloco comercial do mundo— daria, com o tempo, vantagem sobre a Casa Branca. Mas hesitou em retaliar da mesma forma contra as medidas dos EUA.
“Não responder diretamente às tarifas ilegais de Trump em abril foi um erro, deixando pouco espaço para a comissão [Europeia] reduzir as taxas existentes”, afirmou Anna Cavazzini, presidente do comitê de mercado interno do Parlamento Europeu.
O primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, apostou em avançar rapidamente com um acordo e solicitou que seu conselheiro empresarial Varun Chandra —ex-sócio-gerente da consultoria londrina Hakluyt— conduzisse as negociações junto ao secretário de Comércio dos EUA, Howard Lutnick.
Um funcionário britânico ouvido pela reportagem afirmou que a abordagem com os EUA foi direta e que o Reino Unido foi flexível ao entender o que interessava aos norte-americanos.
Os negociadores da UE foram repreendidos por sua abordagem durante as negociações tanto por empresas quanto por algumas capitais europeias. O CEO da LVMH, Bernard Arnault, disse em maio que o bloco teve um “mau começo”, especialmente em comparação com os britânicos, que “negociaram muito bem”.
Na semana passada, o chanceler da Alemanha, Friedrich Merz, avaliou que a abordagem da comissão era “complicada demais” e pediu um acordo “rápido”.
As negociações entre a UE e os EUA continuam, e ambos os lados esperam um acordo nesta semana. Trump disse que uma “carta” poderia ser acordada em poucos dias.
Sem um acordo, as tarifas sobre a UE aumentariam para 20% ou 50% em 1º de agosto, depois que Trump adiou o prazo inicialmente previsto para 9 de julho. Um diplomata argumentou que reduzi-la para 10% seria um sucesso.
Os EUA estavam “provavelmente a dois dias” de enviar à UE uma carta descrevendo suas tarifas planejadas, disse Trump na terça-feira. Nesta quarta, Merz afirmou que as negociações não estavam fáceis devido às exigências dos EUA, mas permanecia “cautelosamente otimista” quanto a um avanço esta semana, ou no mais tardar até o final do mês.
O Reino Unido, que tem um déficit comercial com os EUA, enfrentou a tarifa básica de 10% e não conseguiu reduzi-la. No entanto, Londres garantiu melhores condições nas tarifas “setoriais” —embora o diplomata da UE questionasse se os EUA as implementariam.
O Reino Unido recebeu uma cota anual de 100 mil carros com tarifa de 10% —um desconto em relação à taxa de 25% que outros exportadores para os EUA enfrentam— e um acordo de tarifa zero sobre aço e alumínio, embora este ainda precise ser implementado.
Os negociadores britânicos também conquistaram a promessa de tratamento “significativamente preferencial” nas chamadas tarifas “Seção 232” sobre produtos farmacêuticos, uma investigação que a Casa Branca está atualmente conduzindo e que Trump prometeu uma taxa que pode chegar a 200%.
O Reino Unido também obteve garantias sobre futuras investigações da seção 232 em outros setores, que incluem cobre, madeira e motores a jato.
Em troca, o governo britânico se comprometeu a atender aos “requisitos” dos EUA sobre o papel da China em suas cadeias de suprimentos, além de uma cota livre de tarifas de 13 mil toneladas de carne bovina e 1,4 bilhão de litros de bioetanol.
Trump tem sido há muito tempo hostil ao projeto europeu, chamando a UE de “desagradável” e afirmando que foi criada para “ferrar os Estados Unidos”.
A UE não tem garantias de que as tarifas sobre o aço seriam reduzidas de seu nível de 50%, disseram os diplomatas. Os EUA também se recusaram a isentar o bloco de futuras tarifas setoriais em áreas como produtos farmacêuticos e semicondutores.
Os dois lados estão trabalhando para reduzir a tarifa de 25% sobre veículos e consideram um acordo para abolir taxas sobre bebidas destiladas, aeronaves e peças. A UE também está preparada para reduzir seu superávit comercial de bens de 198 bilhões de euros, comprometendo-se a comprar mais armas e gás natural liquefeito dos EUA.
David Henig, do think-tank Centro Europeu para Economia Política Internacional, disse que a UE tinha uma tarefa mais difícil apesar de seu tamanho maior.
“Considerando as coisas que Trump disse sobre a UE, uma tarifa de 10% provavelmente seria melhor do que alguns esperavam, mas isso ainda é um golpe para um bloco que iniciou o processo pensando que poderia remover todas as tarifas de Trump, e que o Reino Unido havia cometido um erro ao se acomodar”, analisou.
O bloco pausou sua retaliação durante as negociações com Washington. Mas contra-tarifas sobre 21 bilhões de euros de exportações anuais dos EUA devem ser aplicadas a partir de 14 de julho. A comissão está montando um pacote de mais 95 bilhões de euros, incluindo aeronaves, álcool e alimentos, que precisaria da aprovação dos estados-membros.
A Comissão Europeia não respondeu a um pedido de comentário.