Consuelo Ruiz tinha acabado de perder seu marido e fechar sua empresa de eventos quando, em 2013, resolveu passar quatro meses visitando amigos pela Europa, EUA e Canadá. Conhecer os campos de lavanda na região de Provença, na França, era um de seus maiores sonhos.
Enquanto curtia a vista sozinha tomando um vinho, num momento que parece saído de uma série com a atriz Reese Witherspoon, Ruiz teve uma epifania. “Ali entendi o que eu deveria fazer da minha vida: oferecer aquela experiência para outras mulheres”, conta.
Ela então começou a desenhar o projeto de uma agência de viagens para mulheres que, como ela, tinham perdido alguém ou não tinham companhia para realizar um sonho de viagem. No ano seguinte, em Cuba, conheceu a peruana Yvanna Girón, que se tornaria sua sócia na Viagens Para Mulheres (VPM).
Foi também viajando que a jornalista Marina Cruz, 35, chegou a uma conclusão parecida. Meses antes da pandemia de Covid-19, ela resolveu fazer um mochilão prolongado. Seu celular passou a bombar de mensagens de outras mulheres pedindo dicas. Ela então começou a organizar expedições para o monte Everest para outras mulheres, e fundou a Durga Tripz, que oferece pacotes para o monte e também para outros destinos —só para mulheres.
As redes sociais foram igualmente cruciais para a criação da agência GirlsGo, da turismóloga Gilsimara Caresia, 45. Em 2016, no auge do Facebook, ela criou o grupo “Mulheres que Viajam e Mochileiras” para trocar experiências com outras viajantes. Ali foi plantada a semente da agência. “As pessoas no grupo começaram a pedir para viajar comigo e pedir dicas, então eu regularizei uma empresa e comecei a formar os grupos”, relembra.
Viajante experiente, com mais de 120 países carimbados no passaporte, Caresia organiza viagens em grupo para a Índia, Marrocos e Egito, que têm grande estigma de serem violentos para mulheres que viajam sozinhas. “Existe uma questão cultural em torno de estar sozinha, mas também uma questão de logística. É difícil entender como as coisas funcionam nesses lugares e conseguir organizar uma viagem”, afirma.
Para Cruz, há um forte simbolismo histórico e cultural em torno desses destinos, que atrai as mulheres. “Mas elas não vão porque têm medo. Há muito sensacionalismo sobre esses países, como se ao pisar para fora do hotel algo fosse acontecer”, diz a jornalista.
“São lugares onde é incomum mulher viajando sozinhas, então gera curiosidade e algumas abordagens, entre elas o assédio”, diz Caresia. “Mas, na prática, o Brasil é um dos países mais perigosos.”
Estatisticamente, ela tem razão. Segundo o ranking Women Danger Index, que analisa dados de feminicídio e outros índices de desigualdade de gênero, o Brasil é o segundo país que mais oferece perigos para mulheres viajantes, atrás apenas da África do Sul.
Viajar, no entanto, é um dos maiores sonhos das mulheres brasileiras de todas as idades, segundo levantamento feito pelo Instituto Think Olga, que propõe soluções para as desigualdades de gênero.
A percepção de Patrícia Mc Carthy, guia turística, é de que elas já são maioria das viajantes até mesmo em agências de viagem não especializadas no público feminino. “É raro ver homens viajando sozinhos, eles vão mais em casal ou com a família, mas as mulheres vão dominar o mundo, porque elas têm a coragem de ir mesmo com medo”, diz a guia. “Vejo muitas delas viajando com agências, mas sozinhas, sem conhecer ninguém do grupo.”
De acordo com um levantamento da CVC feito em 2023 e divulgado pelo Ministério do Turismo, 30% das viagens na agência foram realizadas por mulheres viajando sozinhas. Em 2020, uma pesquisa da plataforma de reservas de hotéis Booking mostrou que 1 a cada 3 mulheres jovens (entre 16 e 24 anos) planejava viajar sozinha nos próximos anos.
Em outro questionário, de 2019, com mais de 4 mil latino-americanas, a plataforma aferiu que mais de 60% delas já viajou sem companhia para outro país. Entre as brasileiras, o principal motivo é ter liberdade para fazer o que quiser.
De fato, estar sozinha em um lugar desconhecido, com o mundo a ser explorado, desperta sentimentos mistos de medo e de liberdade tremenda.
“Viajar é uma prática muito primitiva do ser humano, é da nossa essência”, reflete Marina Cruz. O problema é que, em algum momento da história, essa atividade foi associada ao papel de gênero masculino. “Mas quando as mulheres vão para o mundo e decidem fazer algo por elas mesmas, elas saem do escopo do que se espera de uma mulher, que é ficar em casa e servir”, diz Cruz.
As lutas pelos direitos das mulheres nas últimas décadas abriram as portas do mundo para nós. “O fato das mulheres estarem viajando é uma conquista social que veio por meio da liberdade financeira e emocional”, diz Caresia. “Viajar sozinha gera uma sensação de poder e independência, a mulher que viaja sozinha ganha um nível além de autoconhecimento e empoderamento”, avalia.
Viajar em grupos de mulheres por meio das agências especializadas pode ser um primeiro passo para experimentar na pele essa tão sonhada liberdade. Além da sensação de segurança que um grupo oferece e das vantagens de não precisar se preocupar com organização e roteiro, essa agências se propõem a ir além: oferecer novas amizades. “Nosso slogan é: ‘viaje sozinha, mas com novas amigas’, porque não temos um perfil de excursão, mas de viver uma experiência comunitária de viagem”, diz Ruiz, da VPM.
Nas agências, a promoção das amizades já começa antes mesmo da ida ao aeroporto. Em quase todas elas, as agentes organizam grupos de mensagens para as viajantes se conhecerem e oferecem apresentações dos destinos e passeios para que elas possam se entrosar. No geral, os grupos são pequenos, de até 20 mulheres. Para Mc Carthy, estes são os mais divertidos e animados.
“Entre mulheres, ninguém sobra nem fica para trás”, diz Caresia. Relatos de amizades que surgiram em viagens em grupo não faltam nas redes sociais. “A viagem começa com um bando de desconhecidas e termina com um bando de amigas”, afirma Cruz.