A sustentabilidade fiscal é um dos principais desafios no cenário global pós-pandemia. Apesar do ambiente de juros mais elevados, observa-se uma crescente tolerância aos riscos fiscais. Essa complacência permitiu, por exemplo, a aprovação do “Big, Beautiful Bill” nos Estados Unidos, uma legislação que agrava significativamente a trajetória da dívida pública americana.
O quadro se torna ainda mais desafiador diante do envelhecimento populacional. Os gastos com saúde e Previdência serão cada vez maiores, enquanto seu financiamento —via aumento de impostos ou cortes de benefícios sociais— enfrenta forte resistência em todo o mundo. O desafio global exige soluções que priorizem a qualidade e a alocação eficiente dos recursos públicos.
Infelizmente, no Brasil, o debate fiscal, pela lógica da polarização, reduz a complexidade desse desafio a narrativas simplistas de “nós contra eles”, onde responsabilidade fiscal e justiça social são colocadas como dois cenários mutuamente excludentes.
Neste contexto, a necessidade de uma nova reforma da Previdência não é tratada com a urgência necessária, mesmo diante dos dados do último Censo do IBGE, que confirmaram um envelhecimento mais acelerado do que o antecipado.
Enquanto isso, lacunas importantes não abordadas na reforma anterior, como o regime do MEI (Microempreendedor Individual) e o BPC (Benefício de Prestação Continuada), transformaram-se em um passivo gigantesco.
No caso do MEI, depois de criarmos um contingente enorme de beneficiários sem o correspondente aumento das contribuições com as mudanças nas regras em 2011, estamos discutindo no Congresso a ampliação do teto de faturamento do MEI, sem qualquer avaliação sobre se o programa de fato promoveu a formalização do trabalhador de baixa renda.
Algumas reformas teriam potencial transformador em termos de aumento da eficiência do gasto, com impacto fiscal relevante. Um exemplo é a revisão do seguro-desemprego, que hoje subsidia principalmente trabalhadores formais de renda média, sem exigir contrapartidas de busca ativa por trabalho ou capacitação.
Outro é a reforma do abono salarial, benefício que consome cerca de R$ 30 bilhões por ano e é destinado, majoritariamente, a trabalhadores formais já empregados, não sendo eficaz como instrumento de combate à pobreza.
O Bolsa Família precisa incorporar mecanismos mais robustos de porta de saída, com maior integração a políticas de qualificação profissional e inserção produtiva, ou teremos uma parcela cada vez maior da mão de obra na informalidade, ou fora da força de trabalho.
Não vamos garantir sustentabilidade fiscal se não houver a desvinculação do salário mínimo como indexador automático de diversos benefícios sociais. Ainda que essa proposta enfrente obstáculos jurídicos importantes, o debate precisa ser enfrentado com seriedade, ou ficaremos presos a uma rigidez orçamentária que limita a viabilidade de qualquer arcabouço fiscal que venha a substituir o atual.
Por fim, para que as reformas sociais tenham impacto duradouro sobre a produtividade da economia, será imprescindível avançar na reforma administrativa. Uma reforma que fortaleça a gestão por resultados pode melhorar significativamente a eficiência do Estado, elevar o PIB potencial e trazer alívio fiscal.
O Brasil precisa superar o falso dilema entre responsabilidade fiscal e justiça social. Reformar o gasto social e modernizar o Estado são, na verdade, os caminhos mais sustentáveis para garantir os direitos dos mais vulneráveis e assegurar a solvência do Estado no longo prazo. É preciso retomar esse debate com coragem técnica, responsabilidade política e compromisso com o futuro.