Um evento oficial do governo federal nesta sexta-feira (11) no interior do Espírito Santo se transformou em um ato a favor da soberania do Brasil diante da taxação de 50% sobre produtos importados do Brasil imposta nesta semana pelos Estados Unidos por meio do presidente Donald Trump.
Lula usou um boné azul com a frase “o Brasil é dos brasileiros”. Diferentes discursos no palanque oficial trataram da medida política de Trump com o objetivo de interromper o julgamento de seu aliado Jair Bolsonaro (PL) no STF (Supremo Tribunal Federal) em torno da trama golpista.
Em sua fala, Lula culpou diretamente o ex-presidente e seu filho Eduardo Bolsonaro pelo tarifaço de Trump. “Aquela coisa covarde [Bolsonaro], que preparou um golpe nesse país, não teve coragem de fazer, está sendo processado, vai ser julgado e mandou o filho dele para os Estados Unidos pedir para o Trump fazer ameaça: ‘Ah, se não liberarem o Bolsonaro, vou taxar vocês’.”
Lula repetiu o ataque a Bolsonaro e a Eduardo em outro momento do discurso. “A coisa [Bolsonaro] mandou um filho que era deputado se afastar da Câmara para ir lá ficar pedindo: ‘Trump, pelo amor de Deus, solta meu pai, não deixa meu pai ser preso’.”
A sobretaxa foi divulgada por Trump na quarta-feira (9) em uma carta na qual afirma que o ex-presidente Bolsonaro sofre uma “caça às bruxas” que precisa ser encerrada “imediatamente”.
“É preciso criar vergonha na cara, porque a coisa mais pequena de um homem é ele não ter caráter. Vocês viram ontem o filho dele [Eduardo] na internet lendo uma carta [dizendo]: ‘Trump fala que você não vai taxar [o Brasil] se meu pai não for preso’. Que tipo de homem que é esse? Que não tem vergonha de enfrentar o processo dele de cabeça erguida e provar que é inocente.”
Em resposta, Bolsonaro publicou uma frase em rede social durante a tarde: “Ladrão, é você de novo comigo na sua boca?”
Lula participou de evento para firmar acordo de reparação socioeconômica das populações atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), em novembro de 2015. Os pagamentos são destinados a agricultores familiares e pescadores.
O ato aconteceu em Linhares, no Espírito Santo, a 130 km de Vitória, e teve participação do governador do estado, Renato Casagrande (PSB).
Como mostrou a Folha, a cúpula do PT ficou empolgada com a janela de oportunidade aberta pela carta na qual Trump anunciou que vai sobretaxar em 50% produtos brasileiros. A avaliação é de que o fato político impulsiona Lula e pode até aproximar o governo e o partido do empresariado.
“Sou agradecido a todos os presidentes que conviveram comigo entre 2003 e 2010 e agora. Todos eu respeitava. Não quero saber se ele gosta de mim ou não. Quero saber que ele foi eleito pelo povo do seu país, ele é o presidente, tenho que tratá-lo com respeito porque o povo deu a ele o mandato”, disse Lula.
Lula repetiu o que havia dito um dia antes sobre Trump e o tarifaço. “Quero dizer, com todo respeito ao presidente Trump, o senhor está muito mal informado. Os EUA não têm déficit comercial com o Brasil, é o Brasil que tem déficit com o Brasil. (…) Nós é que deveríamos taxar ele.”
“Vou tentar brigar em todas as esferas para que não venha a taxação, vou brigar na OMC [Organização Mundial do Comércio], vou conversar com meus companheiros do Brics. Mas, se não tiver jeito no papo, no tête-à-tête, vamos estabelecer a reciprocidade. Taxou aqui, a gente taxa lá”, completou Lula em seu discurso.
No evento desta sexta-feira, o ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT), alfinetou opositores de Lula e classificou as tarifas aplicadas por Trump como ataque ao Brasil.
“Muitos carregavam, em campanhas eleitorais recentes, a bandeira do Brasil nas costas pra dizer que eram brasileiros de verdade. Mas agora, com o ataque dos Estados Unidos, sabemos quem são os brasileiros e os traidores da pátria”, disse o petista.
O ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira (PT), disse que Trump tem relações com brasileiros que querem fugir do Brasil.
“[Quero] dizer ao presidente dos EUA que é melhor andar em melhores companhias porque ele anda muito mal acompanhado por alguns brasileiros que estão querendo fugir para os Estados Unidos”, afirmou o ministro. “Se enfrenta a Justiça se defendendo e quem cometeu crime tem que pagar pelos crimes que cometeu.”
O governador Renato Casagrande também criticou as tarifas de 50% sobre produtos brasileiros.
“Nenhum líder de outro país pode tentar interferir nas instituições do nosso país. O presidente não vacilou na defesa da soberania nacional. Nós, daqui do Espírito Santo, manifestamos apoio a essa posição firme da gente defender as instituições da população brasileira”, disse durante discurso.
O chefe do Executivo capixaba também disse que o governo precisa ter cautela após o anúncio das tarifas pelo governo dos EUA.
“A gente não pode fazer um duelo de tarifas. Saca uma tarifa de lá e uma de cá. A posição do governo está correta, dentro do prazo que tem na Organização Mundial do Comércio e no diálogo com os setores da sociedade brasileira sobre qual a melhor posição em defesa do povo brasileiro.”
Um dia antes, em entrevista à TV Record, Lula chamou de afronta ao país a carta publicada por Trump em que o americano anuncia a sobretaxa de 50%. O petista afirmou que, primeiro, tentará negociar as tarifas —mas que, se isso não funcionar, será colocada em prática a reciprocidade.
Ele disse que o americano demonstra desconhecer a relação comercial entre os dois países, que o republicano precisa respeitar a Justiça e que as empresas de tecnologia devem obedecer às leis brasileiras.
Na mesma entrevista, Lula afirmou que o grupo político que o antecedeu não voltará a governar o Brasil.
Na mesma fala, o petista alfinetou o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), por responsabilizar a gestão atual pela sobretaxa de 50% sobre produtos brasileiros anunciada pelo presidente americano Donald Trump.
“O Tarcísio pode tirar. Não vai tentar esconder o chapeuzinho do Trump, não, Tarcísio. Pode ficar mostrando para a gente também quem você é. Porque está cheio lobo com pele de carneiro”, afirmou à TV Record.
As ações de petistas sobre o tema até agora não tiveram uma coordenação centralizada, mas foram todas no mesmo sentido em razão do conhecimento de integrantes do partido da linha política que Lula costuma adotar em relações internacionais.
Uma das ações será ressuscitar uma fala proferida por Lula em 2019, quando o hoje presidente ainda estava preso em Curitiba. A declaração foi dada em entrevista à Folha e ao jornal espanhol El País.
Na fala, cujo vídeo deverá ser impulsionado nas redes sociais por meio de pagamentos para que chegue a mais gente, Lula critica brasileiros que prestam continência à bandeira americana —gesto feito por Jair Bolsonaro durante seu governo.