Quando foi secretário de Energia de São Paulo, de 1995 a 1998, David Zylbersztajn liderou o processo de privatização de companhias de eletricidade e de gás do estado. Naquela época, ele conta que a base do sistema elétrico brasileiro eram hidrelétricas e algumas térmicas, ou seja, muito mais simples. Uma avalanche de novas tecnologias acarretou no crescimento abrupto de inserção de energia intermitente, causando um descompasso entre demanda e oferta, dados os limites de transmissão que existem hoje.
Zylbersztajn diz que estímulos fiscais por tempo longo criaram um desarranjo operacional no país, difícil de ser solucionado. Ele cita riscos de um apagão generalizado, como o que ocorreu em Portugal e Espanha, embora haja vantagens no sistema interligado do país.
O Brasil vive um problema de sobreoferta de energia. Como resolver?
Hoje tem um desarranjo institucional e operacional muito grande, que precisa ser mudado, muito em função dos estímulos, que, na minha opinião, se estenderam mais do que o tempo necessário para a viabilização de operações, como energia eólica e solar, chamadas de energias intermitentes, e também da microgeração distribuída, que são as placas solares instaladas nas casas.
Alguns subsídios ao setor já foram revistos, não?
Nem tanto. Houve agora a aprovação no Congresso da derrubada dos vetos [na lei das eólicas offshore], e alguns dos estímulos permanecem. Os segmentos solar e eólico têm uma maturidade de mercado que os subsídios que se justificaram no passado, como qualquer tecnologia nascente, não se justificam mais. O Proinfa [Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica] tem mais de 20 anos. Esse período já foi superado.
Tinha um veto que tratava das PCHs…
No passado eu fui um defensor ferrenho das pequenas centrais hidrelétricas. Mas o que a gente pensava há 20 anos não necessariamente se mantém hoje. No mercado de energia, de maneira geral, não vejo nenhuma das fontes necessitando de subsídios. Elas são todas economicamente viáveis. Hoje o mercado está diversificado e maduro, não precisa mais transferir para o consumidor ou o contribuinte subsidiar empreendimentos que podem ser bancados, principalmente, pelo setor privado.
A derrubada dos vetos foi um retrocesso para o setor?
Sim. Eu acho que o governo acertou nos vetos e o Congresso não foi feliz na derrubada. O mercado tem todas as condições de atender, com modicidade tarifária e com qualidade adequada, sem que isso rebata na conta de luz ou que o contribuinte pague por isso. A chamada Conta de Desenvolvimento Energético [fundo que banca os subsídios e políticas no setor] virou um paquiderme dentro da conta de luz. Poderia ser feita uma faxina bem razoável no boleto que chega em casa para pagar a conta de energia.
Além do fim de subsídios, o que é preciso fazer para resolver as distorções que levam à sobreoferta de energia?
Eu acho que é uma discussão muito difícil, porque está acontecendo no mundo inteiro. A questão do corte de energias e de fontes renováveis por causa de limitações de demanda, limitações de transmissão e de custos é um grande desafio no mundo inteiro. No Congresso, tem a MP do setor elétrico, que, de maneira geral, eu acho boa. Agora, vamos ver como o Congresso vai se comportar. Porque a gente sabe como a MP entra, mas não sabe como sai.
Quão urgente é resolver essa questão? O Brasil pode sofrer um apagão, como Portugal e Espanha?
Tem risco, sim, porque, na operação do sistema brasileiro, originalmente, não estava prevista essa situação de mercado, com essas tecnologias e a avalanche que aconteceu e vem crescendo de oferta de energia intermitente. Há uma incógnita muito grande sobre qual o grau de risco efetivamente que hoje o sistema corre.
Quais as particularidades do país nesse sentido?
O Brasil tem um sistema que está entre os três mais integrados do mundo. Isso tem uma virtude enorme, que é poder fazer compensações. Por outro lado, essa capilaridade se propaga. Então, se tiver um problema muito sério em algum lugar, generaliza e contamina o sistema inteiro. Esse é o grande risco quando se tem uma capacidade de fontes intermitentes muito forte. Temos um benefício de um lado, mas um risco também de outro.
RAIO-X
David Zylberstjein
Engenheiro mecânico e doutor em Economia da Energia, é professor e sócio-fundador da DZ Negócios com Energia, empresa de consultoria, estruturação e desenvolvimento de negócios. Foi o primeiro diretor-geral da ANP. Também foi secretário de Energia de São Paulo e conselheiro de diversas empresas do setor de energia.