Se adotadas, tarifas adicionais de importação e exportação podem adiar o ciclo de corte de juros no Brasil, elevando o custo de capital e o endividamento das empresas, avaliam especialistas.
No curto prazo, a redução de exportações para os EUA em decorrência do maior custo pode baratear o preço de alguns itens no Brasil, como carne e laranja, devido ao aumento de oferta local. No médio e longo prazos, porém, a eventual alta do dólar e do preço de importados poderia elevar a inflação.
Eduardo Galvão, professor do Ibmec, também aponta a possibilidade de piora no quadro fiscal. “As tarifas podem afetar o PIB [Produto Interno Bruto] e a arrecadação pública, levando a juros mais altos por mais tempo.”
A redução no fluxo de dólares para o país em troca de mercadorias pode levar a uma desvalorização do real, o que daria fôlego ao IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo).
A Bradesco Asset estima que as tarifas podem reduzir as exportações brasileiras em US$ 7 bilhões (R$ 38,8 bilhões), o que levaria a um PIB entre 0,2% e 0,3% menor.
“Se escalar, aí podemos ter um cenário muito mais negativo. Se Brasil retaliar na mesma moeda, o que não deve acontecer, podemos ter um efeito inflacionário muito grande”, diz Bruno Funchal, CEO da Bradesco Asset.
O IPCA está acima do teto da meta estipulada pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) e perseguida pelo Banco Central. Segundo a última leitura, referente a junho, no acumulado de 12 meses a alta de preços somou 5,35% —o teto é 4,5%.
Para frear o aumento do custo de vida, o BC (Banco Central) elevou a taxa básica de juros a 15% ao ano, o maior patamar desde 2006. Com sinais de desaceleração inflacionária, alguns economistas passaram a cogitar uma redução na Selic (taxa básica de juros) ainda em 2025. Porém, com as tarifas, essa hipótese fica pouco provável.
“Aparentemente, a política monetária está em momento de estabilização, o que gera ganhos na renda fixa”, diz Funchal.
Segundo o economista, ciclos monetários passados mostram que o investimento em títulos prefixados e atrelados ao IPCA pode render mais que o CDI no longo prazo, dada a redução futura da Selic.
“Não há dúvidas de que o cenário mudou consideravelmente, e, além de ficar mais incerto, ficou mais inflacionário. Ou seja, o balanço de riscos voltou a ser assimétrico, e se já estava difícil levar a inflação para a meta, se as tarifas forem mantidas o BC vai ter uma prova de fogo pela frente”, afirma
Helena Veronese, economista-chefe da B.Side Investimentos.
De acordo com Helena, atualmente a tarifa média de impostos de importação que os EUA cobram do Brasil é de 8%.
“Esta mudança, de 8% para 50%, se confirmada, pode retirar até 0,5% do PIB brasileiro. Ou seja, os EUA sozinhos não levam o Brasil para uma recessão, embora sejam detratores importantes de crescimento”, calcula a economista.
Segundo Adriana Dupita, economista-sênior da Bloomberg Economics, a alta de 2,25% do dólar na última semana não é o suficiente para inflar o IPCA. No entanto, se a divisa sair da atual casa de R$ 5,50 para os R$ 5,80, o índice deve voltar a acelerar.
“Com desvalorização adicional do dólar, o BC tem condição de fazer uma intervenção, mas só faria isso com movimentos muito atípicos. Além disso, temos uma taxa de juros muito mais alta que a dos EUA e um enfraquecimento global do dólar, o que limita a alta da moeda ante o real”, diz a economista.
A taxa de juros americana está na faixa de 4,25% a 4,50% ao ano, um patamar historicamente alto para a maior economia do mundo. A expectativa do mercado é de três cortes, começando em setembro, o que tende a enfraquecer o dólar.
Para Tales Barros, diretor de renda variável da W1 Consultoria, o momento é propício para investir na moeda dos EUA. “O dólar está relativamente baixo, é bom para dolarizar a carteira.”
Especialistas recomendam que todo investidor tenha uma parcela de sua carteira exposta a outros riscos que não os domésticos. Para isso, é possível investir em ativos do exterior ou no ouro, por meio da própria Bolsa de Valores do Brasil.
Barros afirma que as ações de Wall Street já subiram muito, com sucessivos recordes recentemente, o que pode limitar a possibilidade de ganho. No entanto, os ativos de renda fixa do país estão atrativos, justamente pela taxa de juros acima da média histórica.
Para investir nestes produtos, há ETFs (fundos de índice) negociados na B3 que correspondem a títulos do Tesouro dos EUA (treasuries), considerados um dos ativos mais seguros do mundo. Há também ETFs de bonds (debêntures) de companhias com boa avaliação de crédito.
“Momentos como esse destacam a importância de diversificar a carteira de investimentos e pensar em preservar capital, rebalanceando-a conforme a alta a ou queda desses ativos”, afirma Frederico Figueiredo, assessor de investimentos da Miura Investimentos.
Enquanto as ações lá fora estão nas máximas, no Brasil, elas estão relativamente baratas, apontam analistas.
“Se o cenário não se agravar, e a expectativa do investidor for positiva, é uma boa aproveitar a queda das ações. A Weg pode sofrer, mas não vai ser uma das principais fornecedoras de transformadores para datacenter, por exemplo”, diz Figueiredo.
A empresa catarinense é uma das principais exportadoras para os EUA. Assim como a Embraer e as petroleiras, que o analista vê com bons olhos.
“A Prio é uma empresa que tem crescido muito, com grandes aquisições. Pode sofrer no curto prazo, mas dificilmente vai sofrer no longo”, afirma Figueiredo.
Barros, da W1, concorda. “A queda das ações da Embraer abre margem para compra. A empresa tem uma carteira de clientes global. Além disso, nos últimos meses, a ação disparou e agora vemos uma realização de lucro.”
Para o especialista em renda variável, as companhias brasileiras com produção nos EUA devem sofrer menos impacto, como Gerdau e JBS.
“Para os frigoríficos, a demanda não deve reduzir muito. Apesar de a demanda dos EUA ser grande, ela dificilmente vai reduzir a ponto de justificar grande preocupação, e temos a China que pode dar vazão ao que os americanos não estiverem consumindo”, diz Barros.
A janela de entrada na Bolsa, porém, não deve fechar com a resolução da questão tarifária, visto que o mercado já antecipa as eleições presidenciais de 2026 e opera em modo de espera.
“Quem não quer dor de cabeça e volatilidade coloca o dinheiro no Tesouro [Direto]. Quem quer arriscar vai para a Bolsa, que está barata”, resume Fernando Breaciani analista do Andbank.
Todos ponderam, porém, que momentos de estresse no mercado não devem basear decisões de investimento, que precisam ser norteadas pelo perfil de risco e objetivos do investidor.
“O investidor não deve entrar em pânico, nem tomar decisões afobadas. Agora, é acompanhar de perto o que está acontecendo. Temos volatilidade e incerteza, mas sem direcionamento claro. O ideal é acompanhar para ver qual cenário se materializa para, depois, fazer um investimento”, diz Funchal, do Bradesco.