/ Jun 07, 2025

Fundos levam recursos até organizações da periferia – 06/06/2025 – Folha Social+

Custear as operações do dia a dia não é tarefa simples para grande parte das organizações sociais em territórios periféricos do Brasil. Para 31% delas, o orçamento anual não passa dos R$ 5.000, segundo levantamento realizado pela Iniciativa Pipa em parceria com o Instituto Nu.

A pesquisa de 2022, que analisou 607 respostas de gestores, constatou ainda que 74% das pessoas que atuam nesses projetos são negras, assim como 78% de seus beneficiários. Em 58% dos casos, todos os membros da organização trabalham de forma voluntária.

“Há uma concentração de recursos nas organizações que compõem a rede tradicional da filantropia, enquanto as periféricas acabam sendo negligenciadas na lógica de financiamento que ocorre no país”, afirma Gelson Henrique, diretor-executivo da Pipa.

“Essas entidades agem diretamente para combater desigualdades e fortalecer territórios, lidando com necessidades urgentes. O tempo delas é diferente do tempo da filantropia, que envolve burocracias para o recebimento do recurso.”

Foi com o propósito de superar barreiras para acessar capital filantrópico que surgiu o Fundo Pop, iniciativa do Instituto ACP junto à Pipa. Em sua primeira edição, com duração prevista de três anos, dez entidades foram escolhidas para receber R$ 50 mil anuais, além de participar de eventos e formações com especialistas.

“A ideia é que elas ampliem seu conhecimento e sua rede de contatos. Dinheiro é fundamental, mas não é suficiente quando falta capacitação dentro da organização”, diz Erika Sanchez, diretora-executiva do instituto de investimento social familiar.

Fundos filantrópicos como esse funcionam como instrumentos de captação e distribuição de recursos para causas ou organizações de interesse público ligadas a questões socioambientais. Eles podem apresentar diferentes fontes de financiamento e formatos.

O Idis (Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social) adota três classificações: fundos temporários (criados em situações emergenciais, como a pandemia ou as enchentes no Rio Grande do Sul), permanentes (quando buscam dar visibilidade e fortalecer uma causa ou instituição de forma contínua) e patrimoniais (também dedicados a apoiar causas ou instituições a longo prazo).

A diferença entre este último e os demais está no funcionamento. Enquanto fundos temporários e patrimoniais destinam a totalidade dos recursos que os compõem para seus fins filantrópicos, os patrimoniais são geridos para gerar rendimentos, os quais, por sua vez, financiam sua atuação.

Modelos comunitários se inserem na classificação mais ampla de fundos filantrópicos. “A lei brasileira não descreve o que é um fundo comunitário, mas o entendimento é que ele tenha uma governança minimamente comunitária, que leve em consideração os desejos da população do território impactado”, define Felipe Groba, gerente de Projetos do Idis.

Um exemplo é o Fundo Cacimba, que surgiu em março de 2020 na União de Vila Nova, favela do distrito de São Miguel Paulista, zona leste de São Paulo. Durante a pandemia, ele custeou a compra de alimentos, medicamentos e itens de higiene para famílias da região.

A partir do fundo, foi criado um instituto homônimo, que atua nas áreas de inclusão produtiva, educação, cultura e meio ambiente.

Seu modelo de financiamento combina doações de pessoas físicas (incluindo empreendedores da comunidade que receberam investimentos do fundo), editais e parceiros externos. Até o momento, foram mobilizados R$ 500 mil.

Hermes de Souza, cofundador do Cacimba, explica que a estrutura de governança visa à participação de diferentes perfis de moradores. “Temos o conselho de jovens e o das avós, por exemplo, além dos conselhos fiscal, consultivo e comunitário. Buscamos envolver o máximo de pessoas, com transparência para doadores e colaboradores.”

Na região metropolitana de Belo Horizonte (MG), a Associação Nova Cidade desenvolve ação similar. Instituída há dez anos, a fundação comunitária busca promover o desenvolvimento socioambiental de 34 municípios, onde vivem mais de 5 milhões de pessoas.

No total, já foram impactadas 124 iniciativas em áreas como agroecologia, arte, cultura e educação, com doações no valor total de R$ 372 mil, partindo de cinco fundos. Dois deles são voltados para a Grande Belo Horizonte e Brumadinho, e os outros são temáticos, para líderes comunitários, migrantes e pessoas com deficiência.

Segundo Renato Orozco, diretor da entidade, a maior parte do dinheiro vem da comunidade, com doações de até R$ 3.000, embora também se busque financiamento de empresas e fundações.

“Quem tem a solução para os problemas locais é quem os vive todos os dias. Quando um projeto de fora faz alguma intervenção e depois vai embora, as coisas voltam ao que eram antes rapidamente. A mudança só é mantida com a participação das pessoas do território e conhecimento local.”



Quem tem a solução para os problemas locais é quem os vive todos os dias. Quando um projeto de fora vai embora, as coisas voltam ao que eram. A mudança só é mantida com a participação das pessoas do território e conhecimento local.

Já a ONG Redes da Maré estabeleceu um fundo patrimonial para garantir a perenidade de seu trabalho no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro. A entidade opera em cinco eixos: educação; arte, cultura, memórias e identidades; direitos urbanos socioambientais; direito à saúde e direito à segurança.

Lançado em 2022, o fundo conta com um conselho de investimentos, liderado por economistas, e outro de projetos, que define anualmente as áreas prioritárias de atuação nas 15 favelas contempladas.

“Estamos em um território com 140 mil pessoas. Do ponto de vista populacional, a Maré é maior que 97% das cidades brasileiras. Não será um projeto sozinho que resolverá todos os problemas. Por isso, adotamos uma perspectiva de articulação territorial, que passa pelo envolvimento da população”, diz Eliana Souza, fundadora da ONG.

Primeiro fundo de investimentos para mulheres negras no Brasil, o Fundo Agbara surgiu em 2020 e, desde então, destinou cerca de R$ 1 milhão para mulheres negras e suas iniciativas, com 4.600 impactadas em 25 estados do país.

Além de apoio financeiro, a organização dispõe de programas de formação, redes de colaboração, ações de incidência política, projetos culturais e consultoria de diversidade para empresas.

“O Agbara é um fundo para mulheres negras, criado e gerido por mulheres negras. Há uma aproximação com a realidade do público que atendemos. Esse tipo de conhecimento é imensurável”, ressalta Aline Odara, diretora-executiva do fundo.

O mecanismo quer transformar um cenário de desigualdade constatado em pesquisa divulgada pelo Agbara em setembro de 2024. Segundo o levantamento, 62,5% das organizações sociais de pessoas negras no país nunca conseguiram captar recursos em território nacional. Entre elas, 37,5% nunca sequer tentaram.

A captação em instituições internacionais se revela ainda mais desafiadora, com 64% das entidades entrevistadas relatando a inexistência desse acesso, e somente 36% afirmando conhecer instituições internacionais que financiam ações filantrópicas.

Algumas dificuldades citadas pela pesquisa são falta de acesso à informação sobre instituições financiadoras, barreiras burocráticas e de formalização (como editais complexos que exigem extensa documentação), falta de confiança por parte dos investidores e ausência de dados sistemáticos sobre organizações negras.

“Quando a filantropia não move estruturas de poder e não dá espaço para populações minorizadas, ela se torna uma filantropia de caridade, sem comprometimento com a transformação social”, afirma Odara.

Esta reportagem foi produzida para a Causa do Ano: Doar É Transformar, que conta com apoio do Movimento Bem Maior.

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