Durante a teleconferência mais recente de resultados da Ocado, o CEO Tim Steiner afirmou que os avanços do grupo em inteligência artificial e robótica permitiram atender pedidos de supermercado online com uma velocidade cada vez maior.
Em 2012, eram necessários 25 minutos de trabalho humano para separar um pedido de 50 itens. Hoje, esse tempo caiu para 10 minutos. Mas esse progresso tecnológico significa que a empresa britânica precisará de 500 trabalhadores a menos este ano, após já ter anunciado que 2.300 empregos estariam em risco em 2023.
A transição gradual da Ocado, ao longo de anos, para reduzir a mão de obra humana sempre que possível exemplifica os temores dos trabalhadores sobre a IA generativa: ela pode aumentar a produtividade, a eficiência e a lucratividade, mas também pode substituir pessoas.
Algumas empresas ainda resistem à mudança, mas muitas passaram o último ano testando e aplicando projetos-piloto com IA no ambiente de trabalho.
“As empresas estão saindo da fase de perguntar ‘Qual é nossa estratégia de IA?’ e partindo para a experimentação, integrando IA generativa aos seus processos”, afirma Karin Kimbrough, economista-chefe do LinkedIn. “Ela já está começando a mudar o panorama do trabalho.”
Empregados, chefes e formuladores de políticas tentam decifrar o que exatamente representam os benefícios da IA generativa.
“Essa nova geração de IA pode mudar todos os empregos. Não acho que isso seja um exagero”, afirmou Peter Cheese, CEO do Chartered Institute of Personnel and Development (CIPD), o órgão britânico de RH e desenvolvimento de pessoas. “Claro que já há exemplos de impactos reais em diferentes equipes, mas ainda estamos nos primeiros passos em muitas empresas.”
Muitos empregadores estão cortando postos de trabalho sob o pretexto de incertezas econômicas e políticas. Mas casos recentes de demissões impulsionadas por IA —de empresas como a IBM e o aplicativo de aprendizado de idiomas Duolingo— alimentam questionamentos sobre um possível corte em massa de cargos administrativos.
O bilionário Dario Amodei, de 42 anos, que comanda a desenvolvedora de IA Anthropic, alertou que a tecnologia que ele e outros, como a OpenAI, estão desenvolvendo pode eliminar metade de todos os empregos de nível inicial em escritórios nos próximos cinco anos. Atualmente, recém-formados representam apenas 7% das contratações nas 15 maiores empresas de tecnologia, com o número de novas admissões 25% menor em relação a 2023, segundo a empresa de capital de risco SignalFire.
“A IA está começando a superar os humanos em quase todas as tarefas intelectuais, e vamos ter que lidar com isso como sociedade”, disse Amodei à CNN no mês passado. “Ela vai melhorar o que todo mundo faz, inclusive o que eu e outros CEOs fazemos.”
Acadêmicos, recrutadores e consultores de gestão se dividem entre considerar esse cenário um alarme exagerado ou uma avaliação realista do potencial da IA para transformar o mercado de trabalho. Mas mesmo que ela não esteja destruindo empregos em larga escala hoje, certamente está redesenhando funções e alterando a relação entre trabalho, produtividade e número de funcionários.
“Nenhum setor é imune [ao impacto da IA]”, diz Peter Brown, especialista global em força de trabalho da PwC. “Mas ela está transformando cargos, não eliminando, permitindo que os humanos se concentrem em tarefas de maior valor agregado.”
Por ora, Mike Clancy, secretário-geral do sindicato Prospect —que representa 160 mil trabalhadores nos setores público e privado do Reino Unido— concorda em boa parte. Para ele, é importante diferenciar os setores.
“Se você trabalha no controle de tráfego aéreo, em redes de transmissão e distribuição, em infraestrutura ou processos industriais, já vem adaptando suas habilidades a novas tecnologias há anos. A IA pode ajudar, mas o fator humano será essencial para garantir a resiliência dos sistemas.”
Por outro lado, Clancy afirma que os “empregos de e-mail” —baseados em respostas textuais, como advogados e atendentes— passarão por uma “mudança espetacular no curto prazo”, mesmo que os benefícios levem tempo para se concretizar.
Desde o lançamento do ChatGPT no fim de 2022, especialistas em ambiente de trabalho tentam entender se as empresas vão usar a IA para ampliar a capacidade dos funcionários ou para manter a produção com menos contratações.
A gestora de fundos Schroders é exemplo da primeira abordagem. “Não vemos uma revolução imediata com demissões em massa, mas acreditamos que essas tendências provocarão uma evolução nos próximos cinco a dez anos que vai redesenhar as equipes”, diz Meagen Burnett, diretora financeira da empresa. Entre os usos “transformadores” estão a aplicação de IA para analisar dados, gerar relatórios e responder dúvidas. Segundo ela, uma equipe mais “alfabetizada em IA” seria mais produtiva e apta a entregar trabalhos de maior valor.
Outro sinal de mudança no planejamento das empresas foi o anúncio da farmacêutica Moderna, que unificou suas áreas de recursos humanos e tecnologia, abrindo espaço para mais automação. A IBM foi além e já usa agentes de IA para realizar o trabalho de centenas de funcionários de RH.
A fintech sueca Klarna afirma que sua assistente de IA já responde dois terços das dúvidas dos clientes, reduzindo drasticamente o trabalho humano (embora o CEO tenha admitido queda na qualidade). No Google e na Meta, a IA está reformulando áreas como engenharia, recrutamento e marketing, impulsionando cortes e reorganizações.
A IA já está mudando as habilidades exigidas dos trabalhadores. Aqueles fluentes nas novas ferramentas ou com experiência prática têm sido promovidos, melhor remunerados e disputados. Dados do LinkedIn mostram aumento na contratação para cargos como engenheiro de prompt, chefe de IA e arquiteto de uso responsável da IA.
Um novo relatório da PwC, que analisou quase 1 bilhão de anúncios de emprego em seis continentes, concluiu que profissionais com habilidades em IA ganham 56% mais em 2024 do que aqueles sem conhecimento na área —em 2023, essa diferença era de 25%.
O relatório também apontou que setores mais expostos à IA apresentaram crescimento três vezes maior na receita por funcionário do que os menos expostos. Para os otimistas, isso prova que a IA está tornando os profissionais mais valiosos. “Ao contrário dos temores sobre demissões, os números —e os salários— estão crescendo em praticamente todas as ocupações expostas à IA, incluindo as mais suscetíveis à automação”, diz o estudo.
Mas há dúvidas sobre quanto tempo isso vai durar. A PwC aponta que os cargos expostos à IA estão crescendo a uma taxa de 38%, enquanto os menos expostos crescem 65%. Funções como analista financeiro, advogado júnior ou pesquisador de mercado aumentam em ritmo mais lento que antes.
Há também o risco de os trabalhadores ficarem para trás. A combinação de habilidades exigidas pelos empregadores está mudando 66% mais rápido nos cargos mais expostos à IA (como analistas financeiros) do que nos menos expostos (como fisioterapeutas). Esse ritmo acelerado dificulta a adaptação, especialmente para profissionais em meio de carreira ou que não atuam em grandes empresas. Em todos os países analisados, as mulheres ocupam uma fatia maior dos cargos expostos à IA do que os homens.
Trabalhadores cujas funções foram absorvidas por novas tecnologias estão migrando para habilidades que a IA ainda não consegue reproduzir, afirmou Kimbrough, do LinkedIn. Esses profissionais estão sendo “redirecionados”, não “substituídos”, priorizando competências humanas.
Claudia Harris, CEO da plataforma de talentos e treinamento Makers, diz que está surgindo “uma economia de duas velocidades”: entre empresas que investem em IA e as que não investem.
“As linhas divisórias não são tradicionais. Não se trata de indústrias inovadoras versus conservadoras. Trata-se de culturas e empresas capazes de fazer essa mudança profunda e decisiva.”