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A ‘economia de baixa altitude’ da China decola, via drone – 13/06/2025 – Mercado

O coração da repórter disparou quando a porta se fechou com um baque. Ela estava sozinha no elegante veículo de dois lugares, mas nervosa demais para aproveitar o estofado de couro e as janelas panorâmicas. As 16 hélices dispostas em círculo ao redor da cabine começaram a girar e, então, a aeronave elétrica de decolagem e pouso vertical (também chada de eVTOL) —na prática, um carro voador autônomo— começou a subir suavemente. Ela alcançou cerca de 50 metros de altura, revelando a paisagem de guindastes e docas de um bairro industrial de Guangzhou (China), antes de pousar novamente no mesmo local, na sede da EHang, empresa que a fabrica.

A EHang convidou The Economist para testar o veículo, logo após uma influenciadora e antes de um investidor da empresa. Mas, em março, a EHang se tornou a primeira fabricante de eVTOL do mundo a obter licença para operar voos comerciais com passageiros. A empresa pretende começar a oferecer voos em breve, em Guangzhou e em outra cidade grande, Hefei.

Os carros voadores ainda estão decolando lentamente, mas as entregas por drones já voam alto em partes da China. Em Shenzhen, numa tarde de primavera, poucos funcionários que saíam de arranha-céus pareciam impressionados ao formar fila num quiosque operado pelo aplicativo de entregas Meituan. Apenas uma, Huang Jieling, demonstrou surpresa ao saber que seu almoço seria entregue por drone. As refeições saem pela frente do quiosque, após os clientes digitarem os quatro últimos dígitos do celular, enquanto drones despejam chá, macarrão e arroz com frango por uma escotilha no teto.

“Não imaginei que comida tão barata fosse entregue por drones”, admitiu Huang, de 24 anos, funcionária do setor de comércio eletrônico.

Drones de entrega e carros voadores ainda soam como ficção científica na maior parte do mundo, embora em alguns lugares já existam testes e protótipos. A americana Walmart, por exemplo, já realizou 150 mil entregas por drone desde 2021. Mas, na China, essas tecnologias começam a fazer parte do cotidiano. O governo as promove ativamente como parte da estratégia de desenvolver uma “economia de baixa altitude”: um setor voltado ao uso de aeronaves que voam abaixo de mil metros (bem abaixo da aviação comercial), oferecendo uma série de novos serviços. A ideia é que o país lidere essa indústria futurista, assim como já lidera a produção de veículos elétricos.

VELOCIDADE DE DOBRA

A economia de baixa altitude ainda é pequena, mas cresce rápido. A autoridade chinesa de aviação civil estima que o setor movimentará 1,5 trilhão de yuans (R$ 1,1 trilhão) até o fim de 2025, e 3,5 trilhões até 2035. Só a Meituan entregou mais de 200 mil refeições por drone em 2024, quase o dobro do ano anterior. As ações da EHang subiram cerca de 50% em dois anos —e ela é apenas uma entre diversas fabricantes. “Até 2030, a China terá pelo menos 100 empresas de eVTOL”, afirmou Luo Jun, diretor da Aliança Chinesa da Economia de Baixa Altitude, em conferência realizada em abril, em Pequim. No fim de 2024, o país já contava com 2,2 milhões de drones civis em operação, um salto de 455% em cinco anos.

ANTIGRAVIDADE

Drones estão por toda parte. Em 2023, cerca de 2,7 milhões de pacotes foram entregues por drones na China (sem contar refeições). O serviço postal estatal os usa para alcançar ilhas da província de Fujian. Cidades inteiras já transportam bolsas de sangue para hospitais com drones. No campo, 250 mil drones aplicam fertilizantes e pesticidas. Outros combatem incêndios em prédios altos, monitoram o tráfico de drogas nas fronteiras e levam exames médicos a laboratórios.

Essa proliferação reflete o incentivo oficial. No início de 2023, o primeiro-ministro Li Qiang classificou a economia de baixa altitude como motor de crescimento nacional, ao lado da inteligência artificial e da computação quântica. Isso sinalizou a todos —burocratas, investidores e empresários— que drones e carros voadores seriam prioridade do Partido Comunista.

Em dezembro, a poderosa agência nacional de planejamento criou um departamento exclusivo para o setor, algo raro: outras divisões têm missões amplas como “defesa nacional” ou “emprego”. O novo departamento já articulou reuniões entre ministérios sobre segurança, desenvolvimento de negócios e construção de infraestrutura.

Como a maior parte do espaço aéreo chinês é controlada por militares ou sujeito a restrições, é surpreendente ver o país flexibilizar normas para aeronaves de baixa altitude. Seis cidades, entre elas Shenzhen e Hefei, ganharam certa autonomia para liberar o espaço abaixo de 600 metros para uso comercial.

A mensagem está sendo entendida. Em 2024, seis universidades criaram cursos superiores de “tecnologia e engenharia de baixa altitude”. Governos locais, pressionados pela queda de receita com a crise imobiliária, veem na nova economia uma chance de atrair investimentos. Em abril, representantes da cidade de Mianyang, no sudoeste montanhoso do país, promoveram seu território como destino ideal para o setor. Abalada por terremotos em 2008, a cidade quer usar drones tanto para estimular a economia quanto para acelerar o socorro a áreas remotas. Prometem subsídios, mão de obra qualificada e regras flexíveis: “Tudo o que você precisa para voar é se registrar com 20 minutos de antecedência.”

A busca por receitas criou polêmicas. O condado de Pingyin, na província de Shandong, vendeu “direitos de franquia da economia de baixa altitude” por 924 milhões de yuans (R$ 711 milhões). Alguns elogiaram a criatividade; outros zombaram: “O próximo passo é vender o ar”, disse um internauta. As autoridades esclareceram que a transação dizia respeito apenas a terminais de aeronaves em dois aeroportos locais, e não ao espaço aéreo público nacional.

Shenzhen, que liderou a abertura econômica da China nos anos 1980, hoje é também vanguarda da economia de baixa altitude. A cidade criou centenas de rotas fixas para drones, com quase 500 terminais de pouso e decolagem. Expandiu a rede 5G para garantir conexão estável até 120 metros de altura. Resultado: mais de 776 mil entregas por drone foram feitas em 2023. Um fundo municipal investe diretamente em empresas do setor.

A Meituan iniciou operações em Shenzhen em 2019, aproveitando um projeto-piloto. No começo, seus funcionários precisavam bater de porta em porta para convencer moradores, Força Aérea e autoridades de segurança. Hoje, a aprovação de uma nova rota leva dias, não meses. “A visão é termos milhares de pontos de coleta e entrega numa cidade como Shenzhen”, diz Mao Yinian, executivo da empresa.

No centro de controle da Meituan, às 14h, o pico do almoço começa a ceder. Um painel mostra 41 drones ainda voando; nos horários de maior movimento, há mais de 100 no ar. Para evitar colisões, os drones seguem rotas exclusivas e usam sensores para detectar obstáculos. Em áreas com tráfego aéreo compartilhado, como a Grande Muralha, empresas trocam planos de voo com antecedência. Shenzhen também planeja um centro de comando próprio para coordenar o uso do espaço aéreo.

Desde 2021, a Meituan já fez mais de 520 mil entregas por drone. A meta é que 10% de todos os pedidos sejam entregues por via aérea em 5 a 10 anos. No dia mais movimentado de 2023, foram 98 milhões de pedidos —10% disso seriam 10 milhões de entregas aéreas por dia.

Mesmo os carros voadores, ainda incipientes, foram impulsionados pelo aval do Partido. Diversas montadoras chinesas tentam desenvolvê-los. A Xpeng criou um veículo elétrico com seis rodas que carrega um eVTOL no porta-malas. Pretende vendê-lo por menos de 2 milhões de yuans (R$ 1,5 milhão) a partir do próximo ano. Já há 4 mil pedidos. A ideia é montar redes de pistas específicas, diz Wang Tan, da subsidiária AeroHT, embora ainda faltem aprovações regulatórias.

O valor de startups de eVTOL disparou. Montadoras estatais exibem protótipos. A Hongqi, fabricante dos carros de luxo usados pela elite do Partido, criou o Tiannian 1: um modelo híbrido que pode rodar ou voar.

TRÁFEGO TRIDIMENSIONAL

Em seu apartamento em arranha-céu, Hu Huazhi, CEO da EHang, critica o trânsito terrestre “0,5 dimensional” e exalta a liberdade aérea em três dimensões. Mesmo com poucas horas de sono, ele fala com entusiasmo. Dá o exemplo de Pequim: são 30km entre os extremos do quinto anel viário. Leva-se uma hora de carro, mas só dez minutos voando. “Voos curtos dentro das cidades serão o maior mercado do futuro”, afirma.

Voar por Pequim ainda é sonho: o espaço aéreo da capital é fortemente controlado. No momento, a EHang foca em passeios turísticos que decolam e pousam no mesmo local. Ainda assim, governos locais e empresas estatais já compraram 216 unidades em 2023, de olho no turismo. O caminho regulatório para voos regulares, no entanto, ainda é longo.

A China costuma escolher setores estratégicos para impulsionar. Já fez isso com a “economia do gelo e da neve” (esportes de inverno) e com a “economia prateada” (envelhecimento). Às vezes, o entusiasmo supera os resultados. Mas analistas acreditam que a economia de baixa altitude tem fundamentos sólidos.

Primeiro, porque drones e eVTOLs aproveitam forças industriais já consolidadas. A China lidera na produção de baterias e veículos elétricos. “A razão de termos tanta força agora é que acumulamos muito com carros elétricos”, afirmou Qiao Dong, da Yunhe Capital.

Além disso, os reguladores chineses, apesar de autoritários, têm sido ágeis. Hoje, são os próprios burocratas que procuram a Meituan para propor novas rotas. As regras vão sendo ajustadas conforme o setor evolui. Isso permite menos rigidez do que no Ocidente. Segundo a consultoria McKinsey, 86% dos consumidores chineses apoiam a entrega por drone; nos EUA, só 53%.

Resultado: as empresas chinesas conseguem desenvolver e lançar produtos mais rápido. A EHang foi criada cinco anos depois da americana Joby, mas já opera voos comerciais. “Podemos iterar mais rápido e ganhar experiência com voos reais”, diz Hu. Já Robin Riedel, da McKinsey, diz que, enquanto ocidentais prezam pela qualidade, os chineses priorizam velocidade: “Há mais disposição para experimentar na China”.

O novo governo dos EUA parece preocupado. Recentemente, editou um decreto para acelerar o uso de drones e eVTOLs, com o objetivo explícito de conter a concorrência externa. Há intenso debate na China sobre se o país poderá ultrapassar os rivais ocidentais nesse setor, como já fez com os carros elétricos.

Entretanto, há alertas internos contra o excesso de entusiasmo. A agência nacional de planejamento pediu que a expansão seja coordenada em nível nacional —”um país, um tabuleiro de xadrez”. A mídia estatal advertiu contra “modismos cegos” e infraestrutura redundante.

Se as entregas por drone já mostram viabilidade econômica, o mesmo ainda não se pode dizer dos eVTOLs. Muitas startups ocidentais quebraram. Na China, boa parte do financiamento vem de fundos estatais, mais atentos às diretrizes políticas do que à lógica de mercado. Mas, mesmo que o retorno financeiro demore, é certo que os céus da China verão cada vez mais drones e carros voadores.

Como resume Hu, da EHang: “Já estamos vivendo a era futurista retratada nos filmes de ficção científica”.

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