O terrível acidente de avião ocorrido nesta semana em Ahmedabad, na Índia, aconteceu em um momento crítico da história da Air India, uma das companhias aéreas mais antigas do mundo e a principal do país.
Em 2022, a Índia privatizou a companhia aérea após quase 70 anos de controle estatal. O governo tentou por anos encontrar alguém disposto a assumir a Air India, até que finalmente a vendeu ao Grupo Tata — o conglomerado mais prestigiado do país — por um preço relativamente baixo: US$ 350 milhões.
A ideia era que o setor privado teria melhor desempenho. A reputação da Air India vinha em declínio constante, com uma frota conhecida por atrasos frequentes, assentos quebrados e serviço irregular. Para o governo do primeiro-ministro Narendra Modi, encontrar qualquer comprador já foi um feito.
Os novos donos investiram muito dinheiro na tentativa de reverter a situação. O Grupo Tata contratou Campbell Wilson, um neozelandês que fundou uma companhia aérea de baixo custo em Singapura, para reformar a gestão desde o topo. Para renovar a frota, a Air India fez pedidos recordes de 570 novas aeronaves, uma mistura de aviões da Boeing e da rival europeia Airbus.
Com as investigações sobre a causa do acidente de quinta-feira ainda no início, não está claro se a Air India será responsabilizada. O número de mortos — 261 passageiros e tripulantes, além de dezenas de pessoas em terra — torna o acidente um dos piores do mundo em anos recentes. O tipo de aeronave envolvida, um Boeing 787 Dreamliner, vinha operando com segurança em todo o mundo há anos, e o piloto tinha mais de 8.000 horas de voo registradas.
“Este é um dia difícil para todos nós na Air India”, disse Campbell em um comunicado. “Nossos esforços agora estão inteiramente focados nas necessidades dos passageiros, membros da tripulação, suas famílias e entes queridos.”
Além do custo humano, o acidente certamente atrasará o processo de recuperação da companhia aérea.
A privatização da Air India demorou muito a se concretizar. Aconteceu como uma reunião familiar tardia. A companhia foi fundada em 1932 por J.R.D. Tata — herdeiro brilhante da primeira família de industriais da Índia e um apaixonado por aviação. Quando a Índia conquistou sua independência do Reino Unido, o novo governo nacionalizou a empresa em 1953, em uma época em que muitos estados pós-coloniais faziam o mesmo com empresas industriais.
Décadas depois, Ratan Tata trouxe a Air India de volta ao seio da família por meio da privatização. Mas a Air India havia ficado uma geração para trás: outros países já vinham transformando companhias aéreas estatais em empresas privadas, focadas em lucros e concorrência.
A má gestão financeira foi parte do que causou a queda nos padrões da Air India, a partir de 1978, segundo Jitender Bhargava, diretor executivo mais longevo da empresa. Bhargava trabalhou na companhia por 22 anos antes de escrever seu livro de memórias, “A Queda da Air India”.
“Digo isso há 25 anos: a liderança e a cultura de trabalho eram dominadas pelo governo e pelos sindicatos”, disse Bhargava na sexta-feira. “Você não pode liderar uma companhia aérea e sobreviver em um ambiente competitivo dessa forma.”
Até esta semana, os dois acidentes fatais mais recentes da Air India haviam ocorrido quando aeronaves ultrapassaram pistas de pouso, em 2010 e 2020. Desde que o Grupo Tata readquiriu a empresa, sua reputação em relação à segurança permanecia intacta.
Mas a Air India ainda não conseguiu convencer os clientes de que seu serviço atingiu padrões internacionais — ou mesmo os padrões das novas e competitivas companhias aéreas indianas, como a IndiGo, hoje a principal do país. Voos internacionais da Air India em muitas rotas apresentavam sistemas de entretenimento quebrados e constrangimentos como banheiros entupidos e passageiros indisciplinados. Um voo chegou a ficar retido na Sibéria por dois dias.
Mas uma companhia aérea do porte da Air India, operando em um mercado grande e em crescimento como o da Índia, precisa de tempo para se reestruturar. Bhargava afirma que a Air India não poderia simplesmente paralisar sua frota para reformar e substituir aeronaves antigas sem perder participação de mercado e enfrentar sérios riscos financeiros.
“As pessoas ficam impacientes”, disse ele. “Mas é preciso considerar o estado em que a empresa se encontrava quando os Tatas a herdaram.”
O Grupo Tata estabeleceu a meta de 2025 para alcançar melhorias significativas nos serviços e no desempenho financeiro da companhia. Cadeias globais de suprimentos lentas dificultaram esse progresso, mas a Air India vem acertando em alguns pontos.
A Tata consolidou o mercado ao absorver quatro companhias aéreas menores, criando quase um duopólio com a IndiGo. Juntas, essas duas companhias controlam 91% do mercado doméstico indiano — algo que deve aumentar os lucros no longo prazo.
O grupo também vem se beneficiando das ambições internacionais de Modi, que quer transformar a Índia em um importante centro de conexões, desafiando as companhias do Golfo Pérsico pelo tráfego de passageiros entre Ásia, Europa e América do Norte.
A recuperação da Air India sob a gestão da Tata reflete outra marca da ascensão do país como uma das economias que mais crescem no mundo. O governo Modi tem buscado formas de colaborar com as maiores empresas industriais do país. A nova Air India é privada, mas só chegou a esse ponto graças a um esforço significativo do governo — e seus interesses estão alinhados com os de Modi.