Títulos americanos de longo prazo têm se tornado mais rentáveis à medida que o governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, busca aprovar no Senado um projeto de lei fiscal, cujo efeito pode ser um aumento significativo da dívida do país.
Segundo estimativa do Escritório de Orçamento (CBO, na sigla em inglês), uma agência do Congresso americano, o projeto de lei tributário —chamado de grande e belo projeto de lei pelo republicano— adicionará US$ 2,4 trilhões (R$ 13,5 trilhões) à dívida dos EUA até 2034.
Na véspera da aprovação da legislação fiscal na Câmara, em 21 de maio, o título do Tesouro americano de 30 anos subiu para 5,08%, o nível mais alto desde o final de 2023. A opção de dez anos também teve um pico, chegando a 4,58%.
A proposta foi aprovada na Câmara por estreita margem (215 a 214 votos) e busca reduzir impostos, direcionar mais recursos para as Forças Armadas e segurança de fronteira. A ideia é pagar parte desses gastos com cortes no Medicaid —programa de saúde voltado para americanos de baixa renda—, em assistência alimentar, educação e programas de energia limpa.
Desde a aprovação do projeto de lei fiscal de Trump, os títulos de dez e 30 anos tiveram rentabilidade média de 4,4% e 4,96%, respectivamente.
A compra de um título do Tesouro —americano ou brasileiro— funciona como um “empréstimo” de recursos aos cofres públicos do país. Ao fim do período, o investidor recebe seu dinheiro de volta acrescido de uma rentabilidade, que pode ser prefixada ou acompanhar a inflação e a taxa básica de juros.
De acordo com analistas, a rentabilidade dos títulos de longo prazo tem acompanhado as projeções pessimistas sobre a trajetória da dívida americana. Já a valorização dos papéis de curto prazo segue os dados da economia dos EUA e previsões de cortes de juros pelo Fed (Federal Reserve, o banco central americano).
José Maria da Silva, coordenador de alocação e inteligência da Avenue, diz que os títulos de longo prazo, como de dez, 20 ou 30 anos, são mais sensíveis ao risco fiscal. “Os ativos mais longos vão refletir a expectativa para a dívida e a projeção de que ela se intensifique mais.”
Neste cenário, o investidor exige uma rentabilidade maior para manter o investimento por mais tempo nos Estados Unidos. “Está vindo um Orçamento que não estabiliza a trajetória da dívida americana. Isso gera maior desconfiança”, afirma Rodrigo Sgavioli, head de alocação do Research da XP.
A rentabilidade dos títulos americanos (chamados de “treasuries”, em inglês) é inversamente proporcional aos preços. Ou seja, investidores estão pagando menos e exigindo mais retornos para dar o voto de confiança de que os EUA honrarão as dívidas.
Para Cristiano Correa, professor de economia do Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais), é esperado que o corte de impostos previsto pelo projeto gere falta de recursos, e que mais títulos sejam emitidos como compensação.
“No governo Trump 1, houve pandemia. Os gastos e emissão de títulos aumentaram, assim como a preocupação dos investidores. O valor dos títulos foi rebaixado e, obviamente, o prêmio ficou maior”, afirma.
O projeto de lei foi um dos principais motivos da rusga pública entre o presidente dos EUA e Elon Musk. O bilionário, que conduziu o Departamento de Eficiência Governamental (Doge, na sigla em inglês), classificou o projeto como uma “abominação repugnante”.
E OS TÍTULOS DE CURTO PRAZO?
Para títulos com vencimentos mais curtos, de um ou dois anos, a lógica é diferente. Nesse caso, a rentabilidade é mais sensível às expectativas de cortes de juros do Fed e à política comercial do país. Crescimento do PIB (Produto Interno Bruto), taxa de desemprego e atividade industrial também afetam o valor desses títulos.
A rentabilidade do título com vencimento de um ano variou entre 4,08% e 4,12% neste mês. Em março, mês que antecedeu o tarifaço, o preço do ativo teve pico de 4,11%.
A guerra tarifária de Trump tornou as expectativas dos juros americanos mais voláteis. O aumento das tarifas comerciais no começo de abril, por exemplo, fez com que analistas passassem a prever a inflação americana mais alta, o que forçaria o Fed a segurar os cortes de juros.
Com o aumento das tensões comerciais entre China e EUA, as previsões passaram a ser de uma maior intervenção da autarquia pelo temor de recessão. Hoje, segundo o coordenador da Avenue, o cenário é de menor volatilidade.
“As taxas dos títulos americanos de curto prazo estão em patamar parecido ao do começo do ano, antes da guerra comercial”, diz Silva.
O Fed tem adotado uma postura mais conservadora, com Jerome Powell, presidente da instituição, afirmando aguardar dados para definir uma estratégia para a política monetária.
Em maio, a autarquia decidiu manter a taxa de juros americana na faixa de 4,25% a 4,50% pela terceira vez consecutiva. Segundo a agência Reuters, operadores de títulos projetam dois cortes para a taxa neste ano, em setembro e dezembro.
VALE A PENA INVESTIR EM TREASURIES? COMO COMPRAR?
Rodrigo Sgavioli, da XP, afirma que, apesar da instabilidade dos títulos americanos sob Trump, o mercado de investimentos do país continua com status de porto seguro. “Precisa acontecer muita coisa para que os EUA percam o protagonismo na alocação de patrimônio.”
Para Silva, da Avenue, a rentabilidade dos títulos está em níveis históricos altos, e os investidores interessados devem analisar seus objetivos para definir um vencimento. “Títulos de até 12 meses são muito previsíveis e chacoalham pouco.”
Papéis de longo prazo protegem o investidor da necessidade de reinvestir com uma taxa mais baixa. Essas aplicações, porém, trazem maior volatilidade à carteira.
A sugestão do analista é o meio do caminho. “Ativos de três a sete anos vão permitir travar uma taxa historicamente boa, sem necessidade de se expor a incertezas como a trajetória da dívida”, diz.
Para comprar os treasuries, os brasileiros podem investir em BDRs (Brazilian Depositary Receipts) ou ETFs (Exchange Traded Funds).
O primeiro é uma classe de recibos negociados na Bolsa de Valores que correspondem a ativos no exterior, caso dos títulos americanos. Já os ETFs são fundos listados em Bolsa que replicam a performance e as oscilações diárias de determinado índice.
Além disso, o interessado pode fazer um investimento direto, abrindo uma conta em uma corretora com acesso a investimentos internacionais. Assim, é possível acessar ETFs e fundos de investimentos dedicados aos treasuries.