O empresário Ricardo Faria, 50, conhecido como “rei do ovo” e listado como uma das pessoas mais ricas do Brasil, critica a burocracia, a alta carga tributária, a legislação trabalhista e a polarização política, temas que, a seu ver, desviam o foco dos problemas reais do país, como a infraestrutura.
Faria produz 13 bilhões de ovos por ano à frente da Global Eggs, empresa com sede em Luxemburgo que controla a Granja Faria (Brasil), Hevo Group (Espanha) e a recém-adquirida Hillandale Farms, uma das maiores fornecedoras de ovos dos Estados Unidos.
Ele contesta também o principal programa social do governo federal e diz que “as pessoas estão viciadas no Bolsa Família”.
O empresário afirma não ser possível se afastar da política e faz doações para campanhas com propostas liberais. Ele costuma contribuir com candidatos de direita. Em 2022, por exemplo, figura como doador das campanhas de Jair Bolsonaro (PL) e de Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Em entrevista de quase quatro horas à Folha, disse acordar cedo (4h da manhã), praticar esportes e comprar uma empresa por mês. Descreveu ainda o que é, em sua visão, empreender no país.
“Operar no Brasil é comprar uma canoa, pegar o remo e começar a remar rio acima. É uma árvore caída e daqui a pouco você vê uma cobra, um jacaré. Isso é tocar o negócio do Brasil.”
O sr. é chamado de rei do ovo…
Não sou rei de nada. Sou um cara que trabalha duro, tomo risco, não herdei nada. Não tem muito a ver. O Financial Times botou “egg king”, aí matou (risos).
Qual é o seu modelo de negócio para ter tido um crescimento tão rápido?
Tenho algumas máximas aqui. A primeira é a seguinte: a pessoa AA [acima da média] contrata uma AA. A pessoa A contrata a pessoa A e a pessoa B, mais insegura, contrata a pessoa C. O B traz um cara mais fraco e acaba se sobressaindo. O puxa-saco não se cria. Se você quer ter um processo de crescimento rápido e um ambiente meritocrático, o grande desafio é se livrar do B. Compramos uma empresa por mês.
Qual é a diferença de empreender nos Estados Unidos, Brasil e Europa?
Operar no Brasil é comprar uma canoa, pegar o remo e começar a remar rio acima. É uma árvore caída e daqui a pouco você vê uma cobra, um jacaré. Isso é tocar o negócio do Brasil.
Na Europa, você pega aquele lago lisinho, tudo transparente, e fica ali remando. Coisa mais linda. Nos Estados Unidos, é esse mesmo rio morro abaixo. Tudo é fácil. Quer montar uma empresa? Demora duas horas. Quer fechar a empresa, é um hora e meia. Quer contratar, chega na rua e contrata a pessoa.
A reforma trabalhista não ajudou?
O Brasil tem uma característica. Podem 513 deputados e 81 senadores votar, o presidente da República, com 60 milhões de votos, assinar a lei e, aí, o juiz diz que não. Nosso voto não vale nada. Sabe quanto é que ganha um cara para embalar a bandeja de ovo nos Estados Unidos? US$ 20 (R$ 110) por hora.
Eles ficam brigando para fazer hora. Dá US$ 1.100 (R$ 6.050) por semana. Ele escolhe quantas horas ele faz. Quero trabalhar quantas horas eu quiser.
Mas, no Brasil, o trabalhador tem direito a outras coisas que nos Estados Unidos não têm, como saúde pública…
Pergunta para o cidadão: prefere, cheio de direito, ganhar US$ 250 por mês ou, sem nenhum direito ganhar US$ 5.000 por por mês? Eu vou responder. Quantas pessoas querem migrar para lá e quantas querem para cá? O mercado regula. Mesmo com a política ruim [de migração], o cara não quer ir embora.
O país está ficando para atrás. E não é o governo A, B ou C. Esquece Lula e Bolsonaro. Não quero entrar nisso. Estamos engessando, burocratizando muito o processo. Deixa esse processo mais livre que o mercado vai regular.
O sr. tem dificuldade para contratar?
Está um desastre no Brasil. Por duas razões. Primeiro, porque as pessoas estão viciadas no Bolsa Família. Não temos nem a chance de trazer essas pessoas para treinar e conseguir dar uma vida melhor, porque elas estão presas no programa.
Por outro lado, os jovens não querem mais ter essa relação trabalhista formal, uma carteira assinada, e ter que ir todo dia para o mesmo lugar. Aqui não conseguimos, porque tem o Estado tutelando. Não é mais como antigamente, que o camarada chegava numa empresa e queria ficar 25 anos.
Na sua avaliação, qual seria a solução?
Desburocratizar, tirar o Estado se metendo em tudo que o cidadão e as empresas vão fazer.
O sr. acha que há um retrocesso da reforma trabalhista na Justiça?
Está tendo um retrocesso gigante.
O Congresso discute o projeto de reforma do Imposto de Renda com a criação de um imposto mínimo para os milionários, grupo do qual o sr. se enquadra.
Eu não me enquadro, porque já não tenho mais residência no Brasil. Mas eu acho que a carga tributária no Brasil é absurdamente alta, e o esforço que existe para a redução de custo da máquina pública é nulo.
Aqui na nossa empresa, quando temos um problema, reduzimos custo. No Brasil, quando o Estado tem um problema, aumenta o imposto. Criamos uma cultura na qual o cara quer ficar pequeno. Tem lá o Simples [Nacional]. O cara quer ficar ali, sem nenhuma ambição, porque se ele tiver qualquer ambição, muda a carga dele. Me parece que criar uma carga mais baixa para todo mundo, incentiva mais o crescimento.
O sr. foi para os Estados Unidos por causa da carga tributária?
Não, porque eu queria crescer. Comprei uma empresa lá porque eu queria ter acesso a um mercado grande. Para mim, é mais fácil estar fora para gerir uma empresa. Eu optei por retirar a minha residência fiscal. Continuo brasileiro, não vou nunca deixar de ser.
Onde é a sua residência fiscal hoje?
Uruguai.
Foi por causa da taxação do ministro Fernando Haddad?
Nada a ver com o Haddad. No meu caso, foi por conta de serviço. Nosso negócio hoje é 80% fora do Brasil.
Qual a sua opinião sobre o decreto de alta do IOF?
É mais um custo de financiamento de um absurdo. Faz dois anos que eu não faço financiamento no Brasil. Vou ficar mais uns cinco. Há 15 dias não tinha essa cobrança do IOF. Aí o cara jogou um bode na sala. Agora, existe o IOF. A discussão tem que ser, na minha visão, sobre como vamos reduzir o custo da máquina, porque ninguém mais está a fim é de arcar com essa carga tributária.
O sr. acha que hoje as empresas competem nas mesmas condições no Brasil?
O Brasil em relação ao mundo, não. O Brasil tem ficado para trás por conta de três amarras: alta carga tributária, taxa de juros elevada e uma quantidade de burocracia em cima das empresas muito forte. Com essa taxa de juro, eu não pego.
O sr. é amigo do Roberto Campos Neto [ex-BC]. Ele apertou os juros…
Como eu falei, não quero falar de pessoa. Me entendo por gente há 35 anos, e há 35 anos, temos juro alto no Brasil. É um negócio sistêmico e, enquanto o governo gastar mais do que arrecadar, vai continuar. Simples assim, tá? Seja Roberto Campos Neto, seja Gabriel Galípolo, seja Ilan Goldfajn, seja quem for. Na época do Gustavo Franco, o juro foi a 49%.
Desde a Lava Jato, temos visto uma série de investigações e condenações de empresários que compraram políticos para ter algum benefício. Isso não é uma mostra de uma cultura de atalho?
É um atalho. Essa relação tem que ser mais bem regulada. Por exemplo, nos Estados Unidos, temos o lobby que é regulamentado. Me parece também que o empresariado ficar longe da classe política é um erro. Agora, ficar muito perto é outro erro. O equilíbrio é muito importante.
Aqui, não trabalhamos em nada que tenha negócio com o governo. É outra regra de ouro do nosso negócio. Nunca vendemos um ovo para o governo.
O preço do ovo neste ano virou um debate nacional por causa da alta de preços e o peso na inflação e juros…
É falta de assunto. Houve um descasamento de oferta e demanda por 30 dias. Em fevereiro, teve um calor absurdamente alto e houve naquele momento uma mortalidade de aves fora do normal. O Brasil deve ter perdido aí pelo menos uns 3% do seu plantel. Quando chega em março, tradicionalmente é um período de aumento de consumo, que é a quaresma.
Reduz um pouquinho o consumo da carne e aumenta um pouquinho o consumo do ovo. O preço já faz pelo menos 40 dias que está em patamares históricos. É claro que a taxa de juro não está do jeito que está por causa do ovo.
O presidente Lula disse que queria encontrar o ‘pilantra’ que aumentou o preço do ovo…
Eu acho que tem discussões mais importantes do que isso. Foi um negócio momentâneo por conta das razões que já discutimos. A água voltou para o mar. O plantel das empresas já voltou ao normal.
Mas como o sr. viu a declaração do presidente?
Não estava nem aqui, fui saber uma semana depois. Estava no meio de um processo de aquisição. Não sei o contexto em que [a fala] foi feita. O presidente Lula é um grande entusiasta, torcedor, de empresa brasileira bem-sucedida fora do Brasil. Uma pessoa que torce muito para o Brasil. O empresário tem que se relacionar com o poder que o povo escolheu.
Nos estados, temos interlocução com vários. Por exemplo, o Rafael [Fonteles, governador do Piauí], que eu conheço bastante, é espetacular. Um grande governador. Tarcísio Gomes de Freitas, outro grande governador. Os dois são linhas antagônicas da política, mas são duas pessoas que estão lá buscando o melhor para a sua população.
A Folha apurou que o sr. se reuniu com o presidente Lula em Brasília.
Sobre isso, não comento.
O sr. comprou a empresa americana com o preço do ovo em alta. Por que o preço do ovo subiu muito lá?
Morreu muita galinha. Gripe aviária.
O Brasil também está enfrentando a gripe aviária…
Mas é muito diferente, né? Estamos falando de 50 milhões de galinhas que morreram lá. Um pouco mais, talvez. Aqui morreram 16 mil. O Brasil tem uma grande fortaleza sanitária. Os hábitos de higiene no segmento de avicultura no Brasil são os melhores do mundo.
O sr. falou que não se envolve em nada de política e nem em licitações. Financiamento de campanha é algo descartado?
Na física, se eu achar que tenho algum candidato que eu possa… Kim Kataguiri [deputado do União-SP], Marcel Van Hattem [deputado do Novo-RS], por exemplo, sempre ajudei. Sou um liberal. Pessoas que defendam a causa liberal eu posso apoiar sem problema nenhum. Várias dessas pessoas para quem eu fiz a doação nem me pediram.
A polarização política atrapalha os negócios?
Acho que sim. Fica muita discussão de porcaria e não se discute o Brasil. No fim do dia, como é que fazemos um país melhor? Fica essa discussão de rico contra pobre. Essa é minha grande frustração. Se me chamar para discutir o país, eu vou. Se me chamar para discutir Bolsonaro e Lula, vou ficar quieto. A polarização desgasta muito, desvia o foco e não resolve o problema. É uma discussão besta para direita e besta para a esquerda. Na verdade, nenhum dos dois vem encontrando uma maneira de resolver a vida do povo.
A JBS dos irmãos Batista adquiriu 50% das ações da Mantiqueira, maior concorrente da sua empresa. Como vê a entrada deles nesse mercado?
Admiro muito o meu concorrente. Ele sempre nos inspira a ser mais competitivo, eficiente e criativo.
Raio-X | Ricardo Faria, 50
1975, Niterói (RJ)
Mudou para Santa Catarina quando era criança, onde o pai, médico, e a mãe, engenheira, trabalharam em Criciúma. Fez intercâmbio nos Estados Unidos aos 15 anos. É engenheiro agrônomo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Fez o curso OPM (Owner President Management) em Harvard. Foi fundador da Lavebrás, vendida para o grupo francês Elis.