/ Jun 17, 2025

Por que apenas construir novas moradias se podemos reformar as que já existem? – 17/06/2025 – Políticas e Justiça

Historicamente, o Brasil investe regularmente na construção de novas moradias como principal resposta ao déficit habitacional, sem dar a devida atenção à qualidade das moradias já existentes. Em que pese a importância do conjunto de políticas públicas que compõem essa estratégia, há uma considerável quantidade de famílias que têm casa, mas moram em condições inadequadas.

De acordo com a Fundação João Pinheiro, mais de 26 milhões de domicílios urbanos no país apresentam algum tipo de inadequação, o que corresponde a 80% do déficit habitacional total. Estamos falando de casas sem banheiro, sem rede de esgoto, com ventilação e iluminação precárias, além de famílias numerosas vivendo em poucos cômodos. Esses dados revelam que o principal déficit habitacional no Brasil hoje é qualitativo, e não quantitativo. Ou seja: muitas pessoas têm onde morar, mas vivem em condições indignas.

No entanto, com exceção de ações pontuais Brasil afora, ainda não há uma política sistematizada para enfrentar esse problema, mesmo que 4 em cada 10 domicílios apresentem alguma inadequação.

As evidências são robustas: a qualidade da moradia tem influência direta sobre as condições de saúde, educação e renda, o que tem relação decisiva com a superação das desigualdades sociais.

É de se imaginar, portanto, que o investimento em melhorias habitacionais tem o potencial de desenvolver a sociedade como um todo, melhorando os principais indicadores sociais. Em estudo recente, a Habitat for Humanity estimou que o acesso à moradia digna na comunidade de origem pode aumentar o PIB nacional em até 10,5%. Sobre os efeitos na saúde, morar em uma casa adequada aumentaria a expectativa de vida em 4% e evitaria mais de 700 mil mortes por ano em todo o mundo. Nos indicadores educacionais, a organização demonstra que, em alguns países, os anos de estudo podem aumentar em até 28% caso as condições de moradia sejam adequadas às necessidades familiares.

Do ponto de vista das relações sociais, uma política habitacional voltada para a melhoria das moradias se configura como uma política de fixação das famílias em seus domicílios. Manter as pessoas em seus bairros, próximas das redes de apoio e dos serviços que já conhecem, evita os custos sociais e emocionais associados aos reassentamentos forçados. Isto pode ser uma estratégia eficaz contra a desestruturação comunitária e a violência urbana, evitando a desconexão com a cidade e reduzindo as chances do controle não estatal da violência nos conjuntos habitacionais tradicionais.

Além disso, a fixação das famílias tende a reduzir os deslocamentos diários, economizando tempo e recursos, assim como diminui os custos de manutenção urbana e habitacional, com ganhos ambientais e sociais, equilibrando a pressão sobre os serviços públicos.

Não menos importante, há ainda uma vantagem orçamentária: com o total gasto para levantar uma unidade habitacional nova, é possível realizar mais de dez melhorias em residências existentes, promovendo impacto direto, melhor distribuído e mais rápido. Isso significa mais famílias atendidas em menos tempo, mais geração de renda local e maiores chances de construção de uma cidadania plena.

Assim, enfrentar o déficit habitacional qualitativo significa construir uma política habitacional em consonância com as necessidades e desafios do nosso tempo, respeitando a história de vida das pessoas e as comunidades onde vivem. Ao fim, mudar a lógica nesse sentido aproxima a política habitacional da promoção da cidadania em todos os seus níveis.

O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço “Políticas e Justiça” da Folha de S. Paulo sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Vitor Bahia, Gilson Paranhos e Tiago Holzmann da Silva foi “Zé do Caroço”, de Leci Brandão.


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