Fazia muito calor na manhã de 21 de março de 2024 em Guaratinguetá, a 188 km de São Paulo, no Vale do Paraíba. A previsão era que as temperaturas no dia, início de outono, chegassem a 35º C. Foi quando a equipe de controle de emergência da fábrica da Basf, multinacional alemã de produtos químicos, notou uma “fumacinha” saindo de dentro de um dos isotanques contêineres estacionados no pátio, ao ar livre. O alerta partiu do sistema de monitoramento da fábrica, que conta com cerca de 100 câmeras inteligentes, instaladas para identificar anormalidades, inclusive com drones, além de duas estações meteorológicas.
A equipe percebeu que a temperatura da carga, formada por uma mistura de água e estireno (matéria-prima usada em diferentes produtos, como isopor e peças de automóveis), estava bem acima dos 25ºC previstos, ultrapassando os 30ºC. A situação era especialmente delicada porque o estireno é um líquido inflamável, cujo ponto de fulgor é de 31,1ºC em ambiente fechado, segundo a Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo). Aquela “fumacinha” poderia indicar risco de explosão.
A equipe dos bombeiros acessou rapidamente o isotanque e começou a resfriá-lo com água. Depois que a temperatura baixou, o conteúdo foi removido para uma bacia de emergência, e mais tarde destinado à estação de tratamento de efluentes da fábrica, localizada às margens do rio Paraíba do Sul.
“Em um primeiro momento, achamos que a onda de calor estava diretamente associada ao incidente”, disse à Folha Bert Neumeier, diretor de segurança e meio ambiente da Basf para a América do Sul. “Mas percebemos que com outros isotanques próximos não havia acontecido nada. Depois descobrimos que a concentração do inibidor, colocado na mistura de água e estireno para mantê-la estável, diminuiu mais rápido do que o previsto, fazendo com que a temperatura interna subisse.”
Passado o susto, a filial brasileira tratou de acelerar o trabalho de avaliação de riscos climáticos, que já estava em andamento na Basf global desde 2023. “Em primeiro lugar, avaliamos o histórico de danos e interferências provocados pelo clima na fábrica de Guaratinguetá, que somou R$ 2 milhões nos últimos oito anos”, diz Neumeier. “Depois fizemos a projeção de temperatura, ventos e chuvas fortes até 2055, com base em um painel climático científico”, afirma.
A Basf descobriu que, hoje, Guaratinguetá tem 20 dias por ano com temperatura acima de 35ºC; até 2050, serão entre 35 e 40 dias com esse nível de temperatura. “Temos matérias-primas, como o próprio estireno, que têm sensibilidade ao calor e precisam ser mantidos abaixo dos 26ºC”, diz o executivo. A empresa traçou um plano de adequações a partir daí. Serão investidos R$ 3,5 milhões em iniciativas para o resfriamento de tanques e para melhorar o conforto térmico dos funcionários dentro das fábricas.
O complexo químico da Basf em Guaratinguetá também decidiu avançar na implantação de uma caldeira elétrica (e-boiler), a fim de reduzir as suas emissões de gás carbônico –em excesso, o CO2 contribui justamente para o aquecimento global e as mudanças climáticas. Cerca de R$ 41 milhões estão sendo investidos na instalação da caldeira, obra que deverá ser concluída até o terceiro trimestre de 2026. Com isso, a unidade vai reduzir em 25% as emissões absolutas de gases de efeito estufa, em comparação a 2018, mesmo com o aumento da produção.
É uma antecipação de quatro anos em relação à meta global da multinacional alemã, que prevê a redução de 25% só em 2030. Para 2050, a Basf mundial almeja emissões líquidas zero de gases de efeito estufa.
“Nós usamos bastante vapor no processo produtivo, e para isso consumimos gás natural, que gera CO2”, diz Daniel Marcon, vice-presidente de operações da Basf para América do Sul e gerente geral do complexo químico da Basf em Guaratinguetá. “Com a caldeira elétrica, vamos consumir energia de fonte renovável”.
O equipamento vai gerar 60% do vapor necessário para o funcionamento do complexo, o maior da Basf na América Latina. Inaugurado em 1959, conta com 2.000 colaboradores e 13 plantas produtivas, que fabricam ingredientes e produtos empregados em mais de 1.500 aplicações, dos mais diferentes setores –desde o isolante térmico usado em construções até a cor azul do jeans, passando por itens que vão compor tecidos antialérgicos, cosméticos com filtro UV ou propriedades antienvelhecimento.
A indústria química é uma grande emissora de CO2, por estar entre os setores com maior consumo de energia. Mas o setor também coleciona casos de desastres ambientais.
Em 2013, a Basf foi condenada, junto com a Shell, a pagar R$ 200 milhões em indenização por danos morais coletivos e cerca de R$ 170 milhões a ex-trabalhadores de uma antiga fábrica de agrotóxicos de Paulínia (SP). Operada pela Shell, a fábrica contaminou o solo e o lençol freático com substâncias cancerígenas. A operação foi vendida à americana Cyanamid em 1993, que a revendeu para a Basf em 2000. A planta acabou sendo fechada em 2002 e, depois, demolida.
Uma realidade bem diferente pode ser observada hoje em Guaratinguetá. A companhia instalou um Conselho Comunitário Consultivo, formado por profissionais da empresa e representantes da sociedade civil para discutir assuntos relacionados a meio ambiente, saúde e segurança. Existe até um telefone para emergências, o Disque Ecologia, caso a comunidade perceba algo que indique riscos.
“Se um morador sente um cheiro estranho pode nos ligar e nós vamos enviar uma equipe, para averiguar se tem relação com a operação da empresa ou não”, diz Marcon. “É importante que a gente tenha uma relação saudável e transparente com a comunidade, que está, basicamente, do outro lado da rua.”
A menina dos olhos do complexo químico é o Mata Viva, um projeto de reflorestamento que já plantou mais de 360 mil árvores. Começou em 1984 como exigência legal do Código Florestal, para recuperação de matas ciliares, mas se transformou em um programa ambiental, com a reintrodução da vegetação nativa da Mata Atlântica ao redor não só da Basf em Guaratinguetá, mas do entorno das demais fábricas paulistas da multinacional –em Jacareí, Santo Antônio de Posse e São Bernardo do Campo (essa última, que fabrica as tintas Suvinil, foi vendida recentemente para a Sherwin-Williams).
“É a maior área verde do município”, afirma Bert Neumeier. O Mata Viva é administrado pela Fundação Eco+, criada pela Basf, e ocupa uma área de 157 hectares em Guaratinguetá, mais do que o dobro dos 62 hectares de área construída do complexo industrial. “Contribui com a fauna, a flora e também com o clima”, diz ele.
Dentro da unidade, está instalada ainda uma linha férrea, que liga Guaratinguetá ao porto de Santos. Segundo a Basf, o terminal logístico tira das estradas o equivalente a 6.000 caminhões por ano.
No complexo industrial, a companhia conta também com uma ETE (estação de tratamento de efluentes) capaz de tratar 400 m³ por hora –volume suficiente para atender um município de 50 mil habitantes. Guaratinguetá, fundada em 1630, que ficou famosa por ser a cidade de Frei Galvão, o primeiro santo brasileiro, tem 118 mil moradores.
Uma delas é Érica Marques Ciciliato, coordenadora de operações ambientais da Basf. A engenheira industrial química explica que cerca de 25% dos efluentes formam um lodo, que não pode voltar ao rio e segue para células de aterro. “Existem 16 postos ao redor do aterro para fazer o controle periódico do lençol freático, do solo, da estabilidade dos taludes, inclusive com drones”, diz Érica. “A Basf nos dá liberdade de gastar o que for necessário para fazer este monitoramento.”
Com o projeto “Aterro Zero”, implantado este ano, porém, o lodo passou a ser destinado à fabricação de briquetes, que podem ser usados em ligas metálicas para construção civil. “Está dentro da ideia de economia circular”, diz ela, que faz questão de mostrar os três estágios da água do Paraíba do Sul: marrom, quando captada pela empresa; cinza, depois de passar pela fábrica e receber o primeiro tratamento; e límpida, após tratada, antes de voltar ao rio. “Dá muito orgulho trabalhar aqui.”
A repórter viajou a convite da Basf