/ Jun 27, 2025

Juliana Marins e as mulheres de espírito livre – 26/06/2025 – Mariliz Pereira Jorge

Quando uma mulher viaja sozinha, ela desafia uma estrutura inteira que disse por séculos: fique. Fique quieta. Fique em casa.

A tragédia de Juliana Marins, que caiu numa cratera de vulcão na Indonésia durante uma trilha, escancarou o que toda mulher que já se aventurou sozinha pelo mundo sabe de cor: a liberdade feminina ainda precisa ser justificada. As perguntas vieram rápidas, como sempre: “O que ela estava fazendo lá?”, “Sozinha?”, “Pra quê isso?”. A dor mal esfriou e o tribunal da opinião cochicha enquanto finge empatia.

Ainda parece ousadia, coisa de gente desajustada. Como se a mulher que se lança no mundo mereça retaliação. É uma questão de cultura, de machismo, de séculos nos dizendo que lugar de mulher é dentro, não fora. Que liberdade é perigosa, independência é arrogância. A aventureira é promíscua ou perdida.

Juliana não era uma inconsequente. Fez o que deveria ter feito, contratou uma agência, que se dizia especializada, embarcou numa expedição como centenas fazem todos os dias. Mas isso pouco importa quando se trata de julgar uma mulher fora do lugar onde esperam que ela esteja. Não é sobre cautela, é sobre controle. Milhares de homens sobem montanhas, cruzam desertos, escalam penhascos e são chamados de exploradores. Quando fazemos o mesmo, somos imprudentes. Ninguém pergunta porque eles estavam lá. Com as mulheres, a liberdade ainda precisa passar por uma sabatina moral.

Desde adolescente viajo sozinha. Primeiro em pequenos trajetos que depois viraram mochilões. Sobre cada um deles, ouvi a mesma pergunta, com a mesma entonação de espanto: “Mas você foi sozinha?”. O que começou com um embarque para visitar meus avós, virou longas viagens pelo Nordeste, depois Europa, Oceania. No caminho, perrengues, sim. Albergues, trens noturnos, mapas de papel e um cartão telefônico internacional.

Viajar, para mim, foi a escola mais rica que já frequentei. Viajar me deu repertório, agilidade, maturidade. Aprendi a calcular riscos, a dizer “não” com firmeza, a prestar atenção ao redor, a tomar decisões. A improvisar. A me virar com pouco. A confiar em mim. A entender meus limites. A estar só sem me sentir solitária. E tudo isso me acompanha até hoje. Levei essa bagagem para os relacionamentos, para o trabalho, para os dias em que tudo parece incerto. As viagem que me deram autoestima, repertório, capacidade de decisão também me ensinam a confiar em mim, a calcular riscos, a estar só sem me sentir solitária.

Juliana estava fazendo o que tantas mulheres fazem e ainda assim é visto como exceção. Porque não basta curiosidade, é preciso vencer a culpa. Não basta coragem, é preciso resistência. A gente sai sabendo que, se algo acontecer, seremos culpadas por ousar. Por não esperar companhia, nem permissão. Por desobedecer a ordem velada: fique.

Há sempre estranhamento. Muita gente olha com espanto, com pena ou com desconfiança. Como se mulher que viaja sozinha estivesse sempre fugindo de algo ou tentando provar um ponto. Talvez estejamos mesmo: que temos o direito de existir no mundo, sem vigilância, sem explicação.

Viajar sozinha não é só turismo, é quase um ato político. É ocupar um espaço que sempre nos foi negado. É deixar claro que o medo, embora real, não vai mais ser o único critério das nossas escolhas. E o mundo precisa aprender que a liberdade feminina não é um erro a ser corrigido, é um direito a ser respeitado.


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