O projeto de lei 2.721, de 2021, atualmente tramitando no Senado, poderá fazer com que diversos benefícios que servidores públicos recebem sejam classificados como verbas indenizatórias –em teoria, um tipo de pagamento que só deveria ser usado para ressarcir gastos do servidor durante sua jornada de trabalho e que, tipicamente, não são contabilizados dento do teto constitucional e ficam livres de Imposto de Renda.
Há uma série de benefícios recebidos por funcionários públicos que não têm natureza bem definida –por exemplo, auxílio funeral. O PL 2.721 dá uma classificação clara para eles, mas, ao mesmo tempo, transforma 32 pagamentos em verbas indenizatórias.
A República.org e a Transparência Brasil, duas instituições que pesquisam políticas públicas, examinaram o texto do PL e os possíveis efeitos da proposta que tramita no Senado.
De acordo com essa análise, cerca de R$ 7,1 bilhões em pagamentos que têm natureza de remuneração seriam transformados em verba indenizatória pelo PL.
Um dos benefícios que seriam transformados em indenizatórios é a gratificação por exercício cumulativo. Essa mudança daria segurança jurídica para a licença-compensatória, um adicional que representou R$ 2,3 bilhões em pagamentos no ano passado.
Dos 32 benefícios que são transformados em verba indenizatória, 19 aparecem nos contracheques dos membros do Judiciário, somando R$ 10,5 bilhões em 2024.
Os pesquisadores analisaram uma reclassificação de 3.300 nomenclaturas distintas de benefícios que aparecem nas bases de dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). De acordo com o texto, muitos desses pagamentos também existem no Ministério Público, mas há dificuldade no acesso aos dados da instituição.
Cristiano Pavini, do Transparência Brasil, um dos que assinam o estudo, afirma que o texto do projeto é dúbio. Em um trecho, por exemplo, o PL estabelece de forma objetiva o que passará a ser classificado como verba indenizatória.
No entanto, na mesma lei determina-se que esses pagamentos até podem extrapolar o teto constitucional, mas que esse dinheiro deve ser contabilizado como renda passível de tributação. “Esse limbo pode ensejar o não recolhimento de Imposto de renda sobre alguns desses benefícios”, afirma ele.
Classificar os pagamentos como verba indenizatória pode implicar aumento de gastos do orçamento em alguns casos, diz ele: “Por exemplo, as gratificações por exercício cumulativo, um benefício criado por legislações, são benefícios do Judiciário e do Ministério Público que determinam que quem trabalha com acúmulo de serviço pode receber, a cada três dias em acúmulo, um dia a mais de salário. É um pagamento remuneratório que bate no teto”.
Para os autores do estudo, alguns pagamentos que deveriam ser esporádicos se tornaram recorrentes e, portanto, deixaram de ser indenizatórios e passaram a ser remuneratórios –ou seja, para fins práticos, viraram parte do salário. Eles classificam esses pagamentos como “remuneratórias por desvirtuamento”. Por exemplo, magistrados têm 60 dias de férias por ano e é comum que eles usufruam de parte desses dias de descanso, mas trabalhem nos outros. Como isso se tornou recorrente, para os pesquisadores, trata-se de remuneração.
“São pagamentos que podem até ser indenizatórios inicialmente, mas que foram tão desvirtuados que, pelo menos, sejam calculados dentro do teto”, afirma Ana Pessanha, do República.org.
“Entendemos que esses pagamentos são privilégios com os quais não há comparações entre outros trabalhadores públicos ou privados. Auxílio-moradia, por exemplo, sendo recorrente, vira privilégio.”
O senador Eduardo Gomes (PL-SE), relator do texto no Senado, foi procurado, mas não respondeu à Folha.