/ Jun 27, 2025

Desmaterializar a economia é chave contra crise climática – 26/06/2025 – Mercado

As discussões sobre mudanças climáticas costumam focar excessivamente pegadas de carbono e transição energética quando precisam também considerar a desmaterialização da economia e uma espécie de “pegada de materiais”, ou seja, o quanto se consome de recursos naturais para produção de bens e serviços.

“Você não precisa de carro, precisa de mobilidade. Não precisa de cadeira, precisa se sentar. Não precisa de lâmpadas, precisa de luz. Não precisa de pesticidas, precisa de plantas saudáveis”, exemplifica ele, que foi Comissário Europeu para Ciência e Pesquisa (2004-2010) e para o Ambiente (2010-2014). “A economia foi inventada para servir aos humanos, e não para os humanos servirem ao sucesso econômico.”

Desmaterializar a economia pode parecer uma distopia futurista, mas é a solução no horizonte para o economista esloveno Janez Potocnik, copresidente do Painel Internacional de Recursos (IRP, na sigla em inglês) da ONU, junto à ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira.

Potocnik explica que tornar a economia menos material e desperdiçadora é parte do que preconiza a chamada economia circular. Trata-se de um modelo que substitui a atual economia linear, baseada na tríade extrair, produzir e descartar, por um sistema que privilegia a circulação de materiais pelo maior tempo possível, reduzindo a extração de novos recursos e o descarte de resíduos ao mesmo tempo em que busca regenerar ecossistemas.

Não é pouca coisa. A crise do lixo, em que o aumento de descarte de resíduos bateu 2 bilhões de toneladas por ano e deve saltar quase 80% até 2050, colabora para as emissões de gases de efeito estufa e polui o meio ambiente.

A extração global de materiais também escalou de 30 bilhões de toneladas em 1970 para 106,6 bilhões em 2024. Com isso, hoje em média cada pessoa do planeta usa 13,2 toneladas de materiais ao ano, contra 8,4 toneladas há 50 anos.

“O colapso climático é sintoma de que ultrapassamos limites ecológicos pela exploração deliberada do planeta. São fatos, e nossas abordagens são míopes”, avalia Potocnik, que foi diretor do Instituto de Análise Macroeconômica e Desenvolvimento da Eslovênia e ministro de Estado para assuntos europeus. Neste contexto, afirma, a “nossa pegada de materiais é perigosamente pouco discutida”.

“A linha de base do uso de recursos [terra, água, energia, matérias-primas] está muito alta, particularmente em países de alta renda, onde o uso de recursos per capita é seis vezes maior que em países de renda baixa, e o impacto do consumo per capita nas mudanças climáticas é dez vezes maior”, aponta ele, para quem a economia circular reconcilia economia e meio ambiente.

Potocnik esteve em São Paulo em maio para participar da 8ª edição do Fórum Mundial de Economia Circular, que aconteceu pela primeira vez na América Latina, no prédio da Bienal de São Paulo. Após sua apresentação no Auditório Ibirapuera, ele conversou com a Folha.

Quando a economia global começou a se preocupar com a potencial escassez de recursos?

Quando esses recursos se tornaram realmente importantes para a transição energética. Portanto, essa preocupação com matérias-primas críticas é motivada por interesses econômicos. Enquanto discutimos geograficamente —onde e como localizá-las—, do ponto de vista do Painel Internacional de Recursos, seria essencial que também fizéssemos uma pergunta simples: Será que já não estamos usando recursos demais e de maneira ineficiente e desperdiçadora?

A linha de base do uso de recursos está muito alta, particularmente em países de alta renda, onde o uso de recursos per capita é seis vezes maior que em países de renda baixa e o impacto do consumo nas mudanças climáticas é dez vezes maior.

Podemos atender às necessidades humanas usando menos energia e menos materiais e, com isso, facilitar nossas necessidades futuras de matérias-primas críticas e energia? Precisamos questionar a nossa própria linha de base de uso desses recursos.

É a ineficiência que está por trás da explosão no uso desses recursos nas últimas décadas?

É a combinação de muitas coisas. Uns 50 anos atrás, o planeta tinha menos da metade da população de hoje, e o desenvolvimento econômico estava num nível muito mais baixo. Países com grandes populações, como a China, começaram a se desenvolver rapidamente, mas não percebíamos alguns dos efeitos colaterais deste desenvolvimento —que era, portanto, de boa fé.

Hoje vemos que a capacidade do planeta de absorção deste desenvolvimento não é suficiente. Já ultrapassamos seis dos nove limites planetários. É óbvio que algo está errado. Mudanças climáticas estão acontecendo muito mais rápido do que a ciência previu. Estamos entre 1,5º C e 1,7º C [de aumento da temperatura do planeta], de acordo com os números do observatório Copernicus. São fatos, e nossas abordagens são míopes. Estamos endividando as gerações futuras financeiramente e esgotando a natureza. Sabemos que isso está errado.

E ainda dizem que somos a espécie mais inteligente do planeta [risos]. Temos um sistema econômico desperdiçador e que não necessariamente atende às necessidades humanas. Você não precisa de carro, precisa de mobilidade. Não precisa de cadeira, precisa se sentar. Não precisa de lâmpadas, precisa de luz. Não precisa de pesticidas, precisa de plantas saudáveis. A economia foi inventada para servir aos humanos, e não para os humanos servirem ao sucesso econômico.

A descarbonização da economia via transição energética será suficiente para reverter as mudanças climáticas e o esgotamento da natureza?

Precisamos desmaterializar a economia. Você quer ouvir música, mas não precisa mais de CDs ou cassetes. Eu vivi em tempos em que empilhávamos CDs. Não temos essa matéria mas ainda temos a música. Muitas coisas podem ser organizadas da mesma maneira. É preciso introduzir mais modelos de negócio baseados em serviço, que não entregam uma casa como produto, mas um lugar confortável para viver. Minha esperança é a geração jovem, que é menos orientada à propriedade do que gerações anteriores. Eles precisam de mobilidade, não de um carro. De um lugar para ficar, não de ter uma casa.

Minha geração era obcecada pela ideia de que sucesso na vida era ter uma casa com um belo carro na garagem. A geração jovem é diferente —talvez, para ser franco, porque muitas vezes simplesmente não lhes demos alternativa. Pegamos muito, forçamos a barra e ultrapassamos os limites do planeta com nosso histórico de consumo.

Qual é o papel da transição energética no combate às mudanças climáticas?

Se você fornecer aos humanos energia abundante e barata e tentar fazer o máximo possível a partir de fontes renováveis, mas não perguntar para que essa energia será usada e não perguntar se os padrões de produção e consumo em que vivemos são sustentáveis, é um pouco como dar aos humanos licença para matar.

Isso porque essa energia pode ser usada para bons propósitos e necessidades essenciais ou não.

A economia circular e políticas correlatas estão adicionando responsabilidade ao uso da energia. Usar menos recursos também nos leva a usar menos energia. Adicionar esse lado qualitativo ao lado quantitativo. Quem está consumindo energia demais e desperdiçando-a? Quem está cruzando os limites planetários?

Como esse debate se relaciona ao uso do PIB como principal métrica econômica?

Você não pode medir tudo através do PIB e apenas confiar na medição quantitativa do crescimento, precisamos adicionar a parte qualitativa. É preciso garantir que o crescimento econômico proporcione mais bem-estar, equidade, justiça social, acesso a serviços de saúde etc. Tudo isso precisa vir primeiro, e não os lucros de malditos milionários que só pensam em maximizar seus recursos. O PIB e o bem-estar precisam ser desacoplados do uso de recursos. E tudo isso deve ser desacoplado de impactos ambientais porque, no fim das contas, a ideia da economia circular é salvar o planeta de nós mesmos e, com isso, salvar a nós mesmos.

Somos parte da natureza. Destruir a natureza é basicamente destruir a nós mesmos. Se você não for cuidadoso com o resto de vida e biodiversidade no planeta, será uma questão de tempo até chegar a sua vez.

Tudo isso requer mudanças estruturais, sistêmicas e de mentalidade. Não parece factível no curto e médio prazos.

Sim, isso vem acontecendo lentamente demais. Mas estou na vida política há bastante tempo e aprendi que você nunca deve desistir. Repita, repita, repita porque isso gera um efeito bola de neve, de cima para baixo, aumentando o entendimento sobre o tema.

Ao mesmo tempo, as coisas estão se tornando difíceis de baixo para cima. E quando esses extremos se encontram, temos mudanças de fato porque existe massa crítica o suficiente para compreender que se trata de algo urgente. Quando eu coloquei a economia circular no espaço político da Europa em 2014, ela foi removida da agenda da Comissão Europeia no ano seguinte, mas foi colocada imediatamente de volta porque a comunidade empresarial protestou contra a sua remoção.

Como acelerar o desenvolvimento da economia circular?

Com regulamentação. Para quem está na manufatura, por exemplo, os materiais são a maior parte dos custos de fabricação. Então, usar menos é economizar custos. Mas, se esses materiais são muito baratos, você não tem incentivos na direção de economizar recursos e reutilizá-los. Se for mais fácil minerar matérias-primas virgens porque não se paga pelas consequências dessa extração, então a reciclagem nunca vai acontecer de verdade. E, nesse caso, não se pode sequer sonhar com uma economia circular.

Claro que haverá bons exemplos aqui e ali porque muitas pessoas e empresas são responsáveis, mas essa não será a norma. A economia circular é algo que, sem regulamentação, não vai se desenvolver na direção certa.

Qual é o papel do Brasil nesta agenda enquanto anfitrião da COP30?

Este é um grande ano para o Brasil. Muitas coisas estão acontecendo e o Fórum Mundial de Economia Circular foi uma delas. Com isso, muita gente já entende melhor qual é o potencial da circularidade e que ela não está em contradição com os setores industriais e empresariais, que enxergam nessa transição uma oportunidade porque o econômico e o ambiental podem andar de mãos dadas. O Brasil, com a COP 30, tem uma oportunidade enorme e uma responsabilidade enorme nas mãos de encaminhar as coisas na direção certa.

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