A promessa era clara: a tecnologia chegaria para nos libertar do excesso de trabalho. Robôs cuidariam das tarefas repetitivas, plataformas fariam em minutos o que antes tomava horas. E nós, advogados, ganharíamos tempo. Tempo para pensar, criar, inovar. Tempo para viver. Mas os números de 2025 contam outra história.
Segundo o relatório Attorney Workload & Hours, publicado pela Bloomberg Law em março deste ano, os advogados estão trabalhando mais do que nunca. A média semanal subiu para 51 horas (o maior número registrado nos últimos quatro anos). E mais de 40% dos profissionais dizem trabalhar regularmente fora do expediente, incluindo fins de semana e férias.
A pergunta que não quer calar é: para onde foi o tempo que a tecnologia deveria ter nos devolvido?
Seguimos empilhando automações em cima de estruturas antigas. Implementamos ferramentas modernas, mas mantemos práticas antiquadas. O resultado? Um modelo que não se reinventa (apenas acelera). Automatizamos tarefas, mas não revisamos os processos. Aumentamos a produtividade, mas não questionamos o propósito.
Talvez o problema não esteja na falta de tecnologia, mas na ausência de uma verdadeira transformação cultural.
Esse paradoxo esteve no centro das discussões da Legalweek 2025, em Nova York. Mesmo com a adoção crescente de IA, muitos escritórios seguem operando com lógica antiga: mais produção, mais cobrança, mais horas. A conclusão foi clara: há investimento, há ferramentas, há discurso. Mas falta uma estratégia real de mudança. Em outras palavras: estamos trocando o maquinário, mas mantendo o mesmo ritmo exaustivo da linha de produção.
Estamos tentando inovar, mas com a cabeça ainda presa no relógio. Estamos tentando ser eficientes, mas sacrificando saúde, criatividade e propósito.
A promessa de tempo virou sobrecarga digital. A inovação virou aceleração do cansaço. Mas talvez o ponto central seja outro: se a IA está assumindo parte do trabalho jurídico técnico, o que sobra para o advogado? Eu entendo que o futuro da advocacia está naquilo que a máquina não entrega. Julgamento, empatia, estratégia, escuta ativa, criatividade. Eles dividem esse novo papel do advogado em quatro grandes frentes: conselho, advocacia, soluções e estratégia. Em todas elas, o diferencial é humano.
Esse raciocínio muda a pergunta original. Não se trata apenas de saber por que estamos trabalhando tanto. A verdadeira reflexão é: em que estamos investindo nosso tempo?
E aí eu te pergunto: estamos realmente inovando ou só apertando parafusos mais rápido na mesma máquina desgastada?
O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço “Políticas e Justiça” da Folha de S. Paulo sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Danielle Serafino foi “My Peace”, de Voxtrot.