“Chique não é ser exclusivo, chique é ser único”, costuma dizer Odete Roitman, a charmosa vilã do remake da novela “Vale Tudo”, fazendo um jogo de palavras que ajuda a entender a nova escala do luxo. Único é o suprassumo do exclusivo –e continua sendo único mesmo dividido em seis, como aconteceu recentemente em um dos empreendimentos imobiliários mais luxuosos do país.
O último terreno disponível na avenida Delfim Moreira, que antes abrigava uma casa na orla do Leblon, zona sul carioca, daria lugar à construção dos seis apartamentos do edifício Tom. Em pouco mais de cem anos, o que foi um areal adornado de palmeiras-anãs e pitangueiras se tornou o endereço mais caro do Brasil.
O valor que o metro quadrado alcançou também foi, bem ao estilo Odete Roitman, único: R$ 135 mil. Todas as unidades foram vendidas num estalar de dedos. De frente para a praia, há imóvel ali que pode chegar a custar R$ 38 milhões.
Diante do número 558 da Delfim Moreira está a escultura “As Três Graças”, obra da artista plástica Iole de Freitas, que atualiza o tema clássico com formas abstratas plenas de leveza e movimento, esculpidas no aço. A doação foi uma gentileza urbana, nas palavras da CEO da Gafisa, Sheyla Castro Resende.
A fachada do prédio, que lembra as ondas do mar e a areia da praia do Leblon, é outro destaque. Nestes dias de céu azul e mar verde, pertinho do Posto 11, entre as ruas João Lira e José Linhares, cariocas e turistas disputam o melhor ângulo para fotografar não só a escultura da artista como a própria obra da Gafisa.
Lá dentro, o hall é “clean”. Quem entra, logo à direita, dá de cara com outra obra de arte, a instalação “Ternura em Nós”, de Ernesto Neto. Seguindo pelo corredor em direção aos elevadores, entre quadros de Vik Muniz e de Claudia Andujar, somos transportados para a imensidão amazônica pela fotografia de um barco em movimento num afluente do rio Juruá, no Acre, imagem impactante captada pela lente de Sebastião Salgado (1944-2025).
Com metragem que varia de 283 m² a 500 m², os apartamentos escancaram a vista de mar e horizonte, onde os terraços exibem desenhos que combinam a geometria modernista das calçadas com a exuberância das curvas dos morros cariocas.
O Tom Delfim Moreira também sela o marco transacional da Gafisa, empresa que completou 70 anos, para o mercado de luxo. “Desde a aquisição do terreno, em 2020, começamos um trabalho intenso, dentro de aculturamento, treinamento, no mercado de luxo. Foram três anos de imersão antes da inauguração”, conta a CEO.
Diz ela que o movimento da Gafisa hoje não é mais ser a maior incorporadora e construtora, mas, sim, ser uma referência no mercado de luxo não só no Brasil. Entre os compradores, gente da Europa, dos EUA, de São Paulo e de estados do Centro-Oeste, uma clientela vasta e, é claro, endinheirada —os contratos são elaborados em diferentes idiomas. “O nosso público tem propriedade em vários lugares do mundo.”
Rio e São Paulo são os dois principais mercados de luxo do país. Nesses centros, os empreendimentos reforçam uma nova tendência já consagrada em cidades como Londres, Miami e Dubai: a de parcerias com grifes que vão de Ferrari a Armani, na construção de casas e apartamentos, com design exclusivo e serviços personalizados.
Na Barra da Tijuca (zona oeste do Rio), por exemplo, existem à venda por R$ 80 milhões mansões que carregam o nome dessas grifes.
Preço, porém, é algo discutível, nas palavras de Ricardo Carazzai, 58, coordenador do curso de luxo da Universidade Corporativa Secovi-SP. “No ambiente imobiliário, o conceito de luxo vem sendo redefinido nos últimos dois anos”, explica. “Antes, havia certa confusão entre alto padrão e luxo. Muita gente também usava o termo alto luxo, que considero descontextualizado”, reforça ele, que, há 30 anos, estuda esse segmento.
Para se enquadrar na categoria luxo, o empreendimento precisa incorporar uma série de requisitos. O endereço é, sem dúvida, um ponto crucial nessa definição. Outro item que colabora na construção de algo alçado a tal status é o tipo de acabamento, sobretudo o relacionado à manufatura, como carpintaria e marmoraria, sempre com o uso de materiais originais, segundo o especialista.
Entre os edifícios que remodelaram esse conceito de luxo no Brasil, na opinião dele, estão os da Cidade Matarazzo, em São Paulo, empreendimento de uso misto que compreende habitações, escritórios, lojas, restaurantes, centro cultural e uma capela, além do hotel Rosewood. O projeto da Torre Mata Atlântica é assinado pelo arquiteto Jean Nouvel, vencedor do Prêmio Pritzker. “É um marco do luxo no Brasil.”
Escritórios renomados de arquitetura que se tornaram grifes também são cruciais nessa equação, assim como serviços de spa, segurança e projetos de sustentabilidade (energia renovável, reutilização de água), além da chamada identidade olfativa, ou seja, a criação de um cheiro próprio, uma essência, digamos, para o lugar. Outros mimos, como clínica pet e serviço de concierge 24 horas, estão dentro desse conceito que vem sendo remodelado.
É claro que não existe cheirinho grátis. Em 2022, o valor do metro quadrado no residencial Cidade Matarazzo chegava a R$ 85 mil. Hoje, um dos espaços mais cobiçados da metrópole fica na região da Bela Cintra, próximo à rua Estados Unidos. Está sendo disputadíssimo por incorporadoras —já se fala em cifras na casa dos R$ 100 mil o metro quadrado estimadas para a compra do terreno.
Dona do Tom Delfim Moreira, no Rio, a Gafisa lançou o Allard Oscar Freire, em parceria com o empresário francês Alex Allard, idealizador do complexo Cidade Matarazzo, num terreno de 2.000 metros quadrados, na esquina da Oscar Freire com a Consolação.
Ali, até 2028, será entregue um empreendimento de 33 andares com cerca de 100 metros de altura. O complexo vai abrigar ainda uma área comum com três restaurantes, entre os quais se destaca a pâtisserie do porto-riquenho Antonio Bachour, eleito três vezes o melhor chef confeiteiro do mundo pelo The Best Chef Awards. Radicado nos EUA, ele mantém dois restaurantes em Miami e outro em Mérida (México).
Corre à boca miúda que o metro quadrado dos apartamentos do Allard Oscar Freire não sai por menos de R$ 60 mil. “É mais um empreendimento que consolida o posicionamento da Gafisa no mercado do luxo”, diz o coordenador do Secovi-SP.
Os principais empreendimentos de luxo da metrópole neste momento estão nos Jardins, no Itaim, na Vila Nova Conceição e em um núcleo localizado na Cidade Jardim, um dos redutos da JHSF, além de empreendimentos do Grupo Fasano, como explica Carazzai.
Compradores variam: Vila Nova Conceição e Cidade Jardim atraem, sobretudo, paulistanos, enquanto Jardins e Itaim seduzem o pessoal do interior paulista e do Centro-Oeste e uma pequena parcela do Norte/Nordeste e do exterior.
Especialistas calculam que essa demanda por luxo persista no segundo semestre e em 2026. Em lugares com escassez de terrenos, prédios antigos inteiros já estão sendo postos abaixo para dar lugar a algo que atenda ao apetite de quem pode ser único —só em São Paulo, são dez obras em processo de reconstrução.
Como gosta de dizer Carazzai, “falar em luxo é falar em desejo”. Disso nem mesmo a tão afável titia Celina, irmã da poderosa Odete, duvidaria.