Técnico do Botafogo, o português Renato Paiva, 55, tinha 12 anos quando o Brasil foi eliminado pela Itália na Copa do Mundo de 1982. Chorou com a derrota, segundo conta, por identificar naquela seleção a base de um futebol bonito.
As palavras de Paiva no vestiário após a vitória do Botafogo sobre o campeão europeu Paris Saint-Germain, no último dia 19, pareciam as de um brasileiro.
“Temos que reconhecer quem nós somos, perceber quem nós somos. Já chega os outros de fora menorizarem-nos, como se fôssemos qualquer coisa.”
Sobrevivente do grupo mais difícil da Copa do Mundo de Clubes, o Botafogo encara neste sábado (28) o Palmeiras pelas oitavas de final. É o único duelo brasileiro até o momento. O vencedor enfrenta Benfica, de Portugal, ou Chelsea, da Inglaterra.
A formação da estrela solitária venceu o Seattle Sounders (EUA), por 2 a 1, e o PSG, por 1 a 0. Perdeu para o Atlético de Madrid por 1 a 0 na última rodada.
Nascido em Pedrógão Pequeno, vila de ladeiras estreitas bem no meio de Portugal —lembra Ouro Preto, em Minas Gerais—, Paiva não insistiu em ser jogador de futebol. Foi morar em Setúbal aos 12 anos, e quando os treinos nas categorias de base do Vitória coincidiram com os horários do colégio, optou pelo segundo.
O futebol, contudo, sempre foi o centro da atenção. Era fã do jogo de computador Championship Manager, em que o usuário, sem controle das ações dos jogadores, simula treinar uma equipe de futebol e precisa lidar com esquemas táticos, compra, venda e lesões.
Praticou handebol, futebol de salão e, apaixonado pelo jogo, leu uma tese acadêmica de Carlos Carvalhal, um dos treinadores da escola portuguesa que usufruiu da aproximação com a universidade.
A tese lhe abriu a mente. Paiva começou a carreira de treinador nas categorias infantis do Benfica, um gigante do país onde já precisou lidar com a pressão por resultados. Em entrevistas, disse que sentiu incômodo com o conceito de que vencer era mais importante do que formar os atletas. Gostava de fazer uma apresentação aos pais em todo início de ano, para alinhar as expectativas.
Passou 16 anos na base do Benfica. Ajudou a formar jogadores que fazem sucesso nos principais times europeus e compõem a vitoriosa geração portuguesa, como Bernardo Silva, Gonçalo Ramos e João Neves —os dois últimos do PSG.
Viu treinadores como Rui Vitória e Jorge Jesus, aquele, conquistarem títulos pelo Benfica principal, enquanto era preparado para ser o futuro da equipe lisboeta. Antes de completar a segunda temporada no Benfica B, Paiva recebeu contato do Independiente Del Valle, clube do Equador que despontou nesta década com times bem formados. Aceitou e conquistou o primeiro título nacional do Del Valle, em 2021.
Treinou o León, do México, e foi contratado pelo Bahia para 2023, o primeiro ano do Tricolor como SAF (Sociedade Anônima do Futebol), sob controle do Grupo City. Foi campeão baiano, mas teve relação conturbada, a ponto de alguns funcionários comemorarem sua saída.
Ouvidas pela reportagem sob reserva, pessoas que acompanharam o trabalho de Paiva no Bahia afirmam que o treinador era educado, mas mudou de comportamento quando o time entrou em má fase.
Foi pressionado pela torcida por dizer que estava “tranquilíssimo” com o trabalho após sofrer goleada de 6 a 0 para o Sport, bateu boca com um setorista durante entrevista coletiva e saiu do clube 15 dias depois.
Disse ter sentido hostilidade no Bahia, com ameaças físicas e olhares em aeroportos.
Após temporada no México, Paiva voltou ao Brasil para assumir um Botafogo de rebordosa.
Campeão brasileiro depois de 29 anos e da Libertadores pela primeira vez com o português Arthur Jorge, que foi para o Qatar, o Botafogo demorou para escolher um novo técnico em 2025, viu sair alguns dos seus principais jogadores e fez feio no Campeonato Carioca, terminando em nono. Em fevereiro, Paiva, quarto português em quatro anos, foi anunciado.
Ele manteve a principal característica da formação campeã, a de um time veloz assim que recupera a bola, mas desenvolveu maleabilidade. O Botafogo é feroz —a torcida imita latidos de cachorro quando volantes e zagueiros desarmam os adversários— e veloz, especialmente no estádio Nilton Santos, onde a grama sintética deixa o jogo mais corrido.
Contra o Paris Saint-Germain, Paiva deixou uma linha de cinco a seis atletas protegendo a área, com perseguições individuais aos franceses, a fim de recuperar a posse de bola e armar um contra-ataque no menor tempo possível.
“O Botafogo com ataque vertical e jogo de transição começou com Luiz Castro em 2023. O que Paiva trouxe, e que combina com o que vimos contra o PSG, é uma adaptabilidade. O Botafogo tem uma estratégia particular para cada partida”, afirma Guilherme Dias, analista tático e dono de um perfil no Instagram sobre o Alvinegro.
“Não digo que é um time melhor, ou mais vistoso do que 2024, mas tem mais respostas. É um time mais camaleão.”