A decisão da equipe econômica de restringir o prazo de concessão do auxílio-doença via Atestmed, sistema online que recebe atestados médicos e dispensa a perícia presencial, provocaria um represamento de pedidos e elevaria a fila de perícias a 3,6 milhões até o fim deste ano.
O alerta foi feito pelo Ministério da Previdência Social e pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) em notas técnicas que subsidiaram a portaria que flexibilizou a mudança e criou uma transição mais suave. Os documentos foram obtidos pela Folha via LAI (Lei de Acesso à Informação).
A MP (medida provisória) 1303, editada em 12 de junho para elevar impostos sobre operações financeiras, também reduziu de 180 para 30 dias o prazo máximo de duração do benefício concedido por análise de documentos via Atestmed. A medida foi proposta pela equipe do ministro Fernando Haddad (Fazenda) para reduzir gastos e entrou em vigor de forma imediata.
Na semana passada, Previdência e INSS editaram uma portaria conjunta para dilatar esse prazo para 60 dias, mas de forma transitória. A regra vale por 120 dias, mesmo tempo de vigência da MP até sua análise definitiva pelo Congresso Nacional.
Em nota técnica, o Ministério da Previdência alertou que, em caso de “redução abrupta” do tempo máximo de duração dos benefícios por incapacidade temporária, “o impacto para a fila de agendamentos poderá ser substancial”.
A fila da perícia médica já tinha um estoque de 1,036 milhões de solicitações à espera de atendimento em 1º de maio, e a previsão original da Previdência era de que esse número chegasse a 2,092 milhões de pedidos acumulados ao fim de dezembro de 2025, devido a dificuldades operacionais e aumento no número de requerimentos.
Com a MP, a pasta estimou que 38,06% dos novos pedidos seriam redirecionados do Atestmed para a perícia presencial (cerca de 205 mil requerimentos ao mês). Como consequência, o estoque terminaria o ano ainda maior, alcançando a marca inédita de 3,563 milhões de segurados à espera de atendimento —um aumento de 70% em relação ao cenário anterior à mudança.
O INSS endossou o alerta em nota técnica própria. “Um acréscimo de tal magnitude comprometeria a capacidade de absorção da demanda e a sustentabilidade do atendimento”, afirmou.
O órgão destacou ainda que sobrecarregar a perícia presencial com pedidos de auxílio-doença provocaria um efeito cascata sobre outros benefícios, como o BPC (Benefício de Prestação Continuada) para pessoas com deficiência, que não podem usufruir do Atestmed e ficariam sujeitas a uma espera ainda mais longa para atendimento.
“A ampliação temporária do prazo do Atestmed é, portanto, uma medida de alívio crucial que permite uma melhor harmonização entre a avaliação documental e a perícia presencial, visando a sustentabilidade e a qualidade do serviço”, disse.
Sem a flexibilização, o aumento da fila da perícia também teria impacto no estoque total de pedidos ao INSS, que atingiu um pico de 2,7 milhões em março e, desde então, vem caindo lentamente. Em maio, esse estoque estava em 2,565 milhões de requerimentos, somando aposentadorias, pensões, BPC, auxílio-doença e outros.
Os documentos não chegam a apontar uma projeção para o estoque total de pedidos, mas o represamento seria uma consequência natural, já que os servidores do INSS não podem conceder benefícios que exigem perícia sem aval prévio do médico.
Como revelou a Folha, a equipe econômica já havia agido para segurar a fila do INSS e frear a alta de gastos com benefícios previdenciários e assistenciais.
Sob orientação da Casa Civil e do Ministério da Fazenda, o instituto usou o programa de enfrentamento à fila, que paga bônus aos servidores pela análise extra de requerimentos, para priorizar processos de revisão de benefícios ou apuração de irregularidades no segundo semestre de 2024.
A ordem de preferência constou em ofícios do INSS. Um desses documentos afirmava que as ações para reduzir as filas “precisaram de enérgica moderação dada a prevalência do cenário de restrição orçamentária”.
Na ocasião da publicação da reportagem, o governo negou que tenha represado a concessão de benefícios e disse que ações de combate à fraude são uma obrigação contínua e corriqueira do INSS.
Desde sua implementação, o Atestmed é alvo de controvérsia. Especialistas de fora do governo e técnicos da área econômica temem que a facilidade do sistema tenha aberto a porta para fraudes, uma vez que o número de pedidos subiu, e a concessão é feita apenas mediante análise de documentos.
Já a Previdência argumenta que sua utilização poupa recursos, pois a demora da perícia presencial muitas vezes impunha o pagamento de valores retroativos substanciais ao segurado que ficou à espera do benefício (uma vez que o repasse é devido desde a data do requerimento inicial).
Dados do INSS mostram que a duração média do auxílio-doença concedido via perícia presencial é de 323,6 dias —cinco vezes a média de duração do benefício por incapacidade aprovado apenas via análise do atestado médico (63,3 dias).
“Essa diferença, superior a cinco vezes, evidencia a eficiência e a economia geradas pela análise documental. Manter essa modalidade ativa por um prazo mais adequado, mesmo que transitório, reforça a racionalização de despesas e a otimização dos recursos”, disse o instituto.