Os Correios acumulam um total de R$ 41,59 milhões em dívidas protestadas em cartórios de 23 estados brasileiros. Segundo levantamento realizado pela Folha, o Ceará (CE) concentra a maior parte desse valor, com R$ 28,44 milhões, o que representa 68% do total registrado nacionalmente.
Quase todo o montante registrado no estado está vinculado à capital, Fortaleza. Apenas duas outras cidades do Ceará aparecem, com valores menores: Eusébio, com R$ 1.895,70, e Senador Sá, com R$ 5.322,57.
Na capital, destacam-se três protestos: um de R$ 10,1 milhões, outro de R$ 9,7 milhões e um terceiro de R$ 7,2 milhões. Todos eles são débitos tributários dos Correios com a prefeitura. Há no estado o caso de uma agência que encerrou suas atividades e ainda tem dívidas sob protesto: a unidade de Cais do Porto. Localizada em Fortaleza, a antiga agência tem quatros registros que totalizam o valor de R$ 54.405,81.
À Folha os Correios afirmam que os registros mencionados referem-se, em sua maioria, a taxas e tributos diversos relacionados a despesas antigas, a partir de 2004. “Muitos desses registros, inclusive, já se encontram prescritos, com questionamentos administrativos e judiciais em curso há vários anos”, diz a empresa.
A estatal reconhece a dívida de mais de R$ 40 milhões, mas afirma que “parte significativa dos valores decorre de lançamentos acumulados, aplicação de multas e atualização monetária, em ações fiscais que, por vezes, desconsideram a imunidade tributária constitucional dos Correios”.
A imunidade tributária dos Correios está prevista na Constituição e impede a cobrança de impostos sobre suas atividades típicas, como o serviço postal. Essa proteção, porém, não se aplica automaticamente a todas as suas operações. Municípios e estados, por vezes, consideram que atividades como aluguel de imóveis ou serviços logísticos fora do escopo postal não estão cobertas por essa imunidade e, por isso, cobram tributos como o ISS.
O cenário de dívidas protestadas ocorre em meio a uma crise financeira e operacional enfrentada pelos Correios. Nesta segunda-feira (30), a Folha revelou que o presidente da estatal, Fabiano Silva dos Santos, já preparou uma carta para entregar ao presidente Lula (PT), na qual comunica sua saída do cargo.
O presidente dos Correios relatou a diretores da empresa que está sob pressão da Casa Civil para implantar na empresa um plano de reestruturação com o fechamento de agências por todo o país.
PREFEITURA DE FORTALEZA DIZ QUE DÉBITOS SÃO DE ISS
À Folha a PGM (Procuradoria-Geral do Município) de Fortaleza informou que os valores protestados são referentes a créditos tributários de ISS (Imposto sobre Serviços).
“Com a inscrição em dívida ativa, os créditos entram na esteira de cobrança e uma das medidas é o protesto, caso o contribuinte não proceda à regularização por meio de pagamento à vista ou parcelado em até 60 meses, ou, por meio da via da consensualidade, mediante transação tributária”, afirma o órgão jurídico.
A Procuradoria da cidade detalhou que os três protestos de maior valor em Fortaleza foram registrados entre 2004 e 2012.
O QUE DIZEM OS CORREIOS?
À Folha a estatal destaca ser a única empresa pública com presença física em todos os 5.570 municípios brasileiros, incluindo regiões remotas e de baixa viabilidade econômica.
“Essa abrangência territorial impõe uma complexa rede de interações com entes municipais, o que historicamente gerou questionamentos e autuações tributárias baseadas, com frequência, em interpretações equivocadas ou desatualizadas sobre a imunidade da estatal”, conclui.
Com relação à unidade de Cais do Porto, em Fortaleza, a empresa informou que “o encerramento de suas atividades operacionais, amparado por decisões estratégicas, não implica, necessariamente, a extinção de cobranças e/ou discussões tributárias eventualmente registradas em nome da filial. Por essa razão, eventuais protestos atribuídos à unidade continuam sendo analisados e tratados”.
A estatal afirma ainda que está adotando as providências administrativas e jurídicas cabíveis para esclarecer e contestar os protestos, e que estes últimos não impedem a atuação dos Correios nem afetam suas contratações públicas.
“Atualmente, a empresa mantém mais de 3.000 contratos ativos com órgãos da administração pública direta e indireta em todo o território nacional, o que demonstra sua relevância institucional e a confiança depositada por entes públicos em todas as esferas”, diz.
O protesto é um registro formal feito em cartório quando uma empresa ou pessoa deixa de pagar uma dívida dentro do prazo. Segundo a advogada Mariana Pinheiro, ele funciona como uma forma de cobrança oficial e pode dificultar o acesso a crédito para o devedor.
“O protesto incomoda muito as empresas, porque às vezes elas não conseguem comprar de mais ninguém, e aí correm para tentar resolver parcelando, por exemplo”, explica.
REGISTROS DE DÍVIDAS NÃO SE LIMITAM A CAPITAIS
A Folha identificou os protestos de 1.184 débitos dos Correios em cartórios em todo o Brasil, que vão desde R$ 3,26 até R$ 10,1 milhões. Apenas em quatro estados a estatal não tem valores protestados: Acre (AC), Sergipe (SE), Piauí (PI) e Roraima (RR). A reportagem também solicitou as certidões das dívidas com valores mais altos para obter mais informações sobre a origem dos débitos.
O levantamento revela que, além do Ceará, há protestos de valores altos em outros estados, também ligados de cobranças tributárias. É o caso do Distrito Federal, em que um único registro em Brasília, cujo credor é a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, é de R$ 2 milhões, contribuindo para o total de R$ 2,86 milhões protestados no estado.
Ainda segundo levantamento da reportagem, os registros de dívidas em cartórios não se limitam a capitais. Em Boquira (BA), cidade com 19.322 habitantes, há um protesto no valor de R$ 349 mil realizado pela Procuradoria-Geral do Estado da Bahia, representando cerca de 68% do passivo dos Correios registrado no estado.
O Rio Grande do Sul (RS) reúne o maior número de cidades com protestos. São 70 municípios com registros de dívidas dos Correios em cartório. A cidade de Três Passos se destaca com um protesto de R$ 811 mil.
Os débitos dos Correios não são apenas tributários. No município de Victor Graeff (RS), por exemplo, de 2.780 habitantes, há uma dívida protestada no valor de R$ 624,22 cujo credor é a concessionária de distribuição de energia elétrica.
Em Alagoas (AL), apenas dois protestos em Maceió somam R$ 1,43 milhão, sendo um de R$ 746 mil e outro de R$ 684 mil. O total protestado no estado é de R$ 1,52 milhão.
As cidades de Cabo Frio (RJ) e Jaru (RO) também se destacam com protestos nos valores de R$ 656 mil e R$ 394 mil respectivamente. Em São Paulo, apenas a capital, com vários registros, responde por mais de R$ 730 mil do R$ 1,56 milhão protestado em todo o estado.
Os menores valores protestados por estado foram registrados no Amapá (R$ 1.151,42), Rio Grande do Norte (R$ 1.183,74) e Tocantins (R$ 13.408,98), todos com menos de 0,05% do total nacional.
CRISE FINANCEIRA E OPERACIONAL
Os Correios têm registrado prejuízos sucessivos e crescentes, com piora significativa nos últimos dois anos. Só no primeiro trimestre de 2025, as perdas já somam R$ 1,7 bilhão, mais que o dobro do saldo negativo no mesmo período de 2024 (R$ 801,2 milhões).
O resultado negativo está ligado à queda nas receitas com produtos e serviços, que somaram R$ 3,9 bilhões no período, e se acumula ao déficit de R$ 2,59 bilhões registrado no ano passado, aprofundando as dificuldades operacionais da companhia.
A área de postagens internacionais teve retração de 58%, e as receitas financeiras da empresa caíram 46%, para R$ 50 milhões, devido à menor rentabilidade de aplicações. Ao mesmo tempo, os custos operacionais subiram 3,1%, alcançando R$ 4 bilhões, sendo R$ 2,7 bilhões apenas com despesas de pessoal, que cresceram 8,6%.
O Sintect-SP (Sindicato dos Trabalhadores da Empresa Brasileira de Correios Telégrafos e Similares de São Paulo, Grande São Paulo e zona postal de Sorocaba) já apontou problemas como paralisações de motoristas terceirizados por falta de pagamento, encomendas acumuladas, inadimplência com postos de combustíveis, atraso no aluguel de agências e dificuldades no atendimento do plano de saúde dos funcionários.
No início de junho, o sindicato também afirmou haver uma “situação crítica” em ao menos três unidades paulistas por falta de pagamento de aluguel. Em Campo Limpo, na capital, haveria ordem judicial de despejo, enquanto, em Ferraz de Vasconcelos, na Grande São Paulo, e no Paraíso foram apontados riscos relacionados à permanência das unidades.
Ainda segundo o sindicato, trabalhadores protestaram contra o risco de fechamento da unidade do Paraíso em virtude da falta de pagamento de aluguéis. O Sintect-SP afirma que, até o momento, todas as unidades seguem abertas e em funcionamento.
Em maio deste ano, ao anunciar os resultados de 2024, os Correios detalharam um plano para cortar despesas em R$ 1,5 bilhão em 2025, que inclui PDV (Programa de Desligamento Voluntário), incentivo à redução da jornada com diminuição de pagamento e suspensão temporária de férias, entre outras medidas.
Colaborou Iran Alves