/ Jul 03, 2025

Cooperativa de reciclagem gera renda e casamentos – 02/07/2025 – Mercado

“A gente faz tudo aqui. Até casamento”, diz Cátia Aparecida Rodrigues da Silva, 45, antes de cair na risada.

Ela é presidente da Coopercub (Cooperativa de Trabalho de Catadores de Materiais Recicláveis de Cubatão), no litoral de São Paulo. É uma das cerca de 200 entidades que fazem parte do Programa Mãos pro Futuro, criado pela Abihpec (Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosmético).

Em 18 anos, a iniciativa recuperou cerca de 1 milhão de toneladas de resíduos sólidos. É o maior programa de logística reversa do país.

Ana Beatriz Baita, 21, escuta a brincadeira de Cátia e não diz nada. Quando fala, é com tom muito baixo, tão tímido que é como se ela quisesse morder as palavras antes que saiam de sua boca. Há três anos, teve de se mudar do abrigo para adolescentes mantido pela prefeitura local e ficou sem ter para onde ir. Abandonada pela mãe biológica aos quatro anos, deixou a família adotiva aos 16.

Ela bateu à porta da Coopercub porque ouviu que lá poderia ter uma chance. Qualquer chance.

“É meu primeiro emprego, primeira vez que tenho uma renda. Consegui comprar minhas coisas, alugar uma casa…”, afirma.

Foi mais do que isso. Na esteira em que os resíduos são separados, seu local de trabalho, ela conheceu o marido Felipe, 27. Ana Beatriz está grávida. Seu filho ou filha (ela não sabe o gênero) deverá nascer em outubro.

“Tudo mudou muito a partir do momento que consegui esse emprego”, constata.

São 43 cooperados ou cooperadas que dividem, de forma igualitária, o que é arrecadado com o Mãos pro Futuro e com a venda das cerca de 120 toneladas separadas todos os meses para reciclagem. É o setor em que, quanto mais pesado é o lixo, menos vale. A tonelada de vidro rende R$ 230. A de material PET, R$ 3.700.

Cada cooperado, na maioria dos meses, recebe R$ 1.600. Mas se houver algum imprevisto, o pagamento pode cair para R$ 800.

“Temos tido muitos imprevistos. Quando quebra alguma coisa no caminhão, pode ser um conserto de R$ 8.000. A gente parcela, faz carnê, pede ajuda…”, diz a tesoureira Jennifer Fernanda Bento, 37.

A Coopercub é administrada por três mulheres. Cátia, Fernanda (ela não gosta de ser chamada de Jennifer) e a vice, Edinelia Ferreira de Lima.

A cooperativa nasceu em 2001 com o pai de Cátia, Denil da Silva, e com o amigo dele, Carlos Araújo. Dois desempregados que viram na coleta de lixo a única forma de ganhar algum dinheiro. O primeiro local foi um quarto apertado no bairro da Vila Natal. Hoje está em um terreno cedido pela Prefeitura de Cubatão, no Sítio Cafezal.

Sob a gestão das mulheres, a iniciativa cresceu com parcerias, maquinário e a parceria do Mãos Pro Futuro. Era como se Araújo já soubesse que aquele seria o caminho. Em 2020, sem aviso, disse que Cátia, Ednelia e Fernanda ficariam responsáveis pela cooperativa. Não queria mais saber daquilo. Avisou ter escrito cartas sobre como deveriam ser feitas as coisas na Coopercub e em sua vida pessoal. Ele morreu menos de um ano depois.

“Foi de repente. Ele não estava doente. Fico arrepiada só de contar”, relembra Cátia.

“Mas seu Araújo percebeu algo que nós não tínhamos ideia: que estávamos preparadas”, diz Fernanda.

Para tentar manter as pessoas na cooperativa, mesmo no mês em que a renda é menor, são oferecidos cursos profissionalizantes, como contabilidade e administração.

Qualquer quantia importa para Joelma Alves dos Santos, 45. Quando teve forças para abandonar a dependência química, foram as diferentes funções na cooperativa que a mantiveram ocupada, sem pensar no vício. Em situação de rua, conseguiu ter uma casa e hoje mora de novo com dois dos quatro filhos. Os outros dois ainda estão com a sua mãe.

Ela também casou com outro cooperado.

“Eu tinha sido atropelada por um trem quando decidi acabar com aquele sofrimento [da dependência]. Quem me acolheu, me deu oportunidade, emprego e renda foi a cooperativa”, afirma.

O trabalho da entidade em Cubatão, para a Abihpec, dá certo por contar com a parceria do poder público. Sem isso, é muito mais difícil. Entre 2013 e 2023, o Mãos pro Futuro estima ter evitado a emissão de 3,8 milhões de toneladas de CO2 na atmosfera.

“É uma iniciativa para tentar resolver o desafio do grande volume de embalagens descartadas pelo setor [de higiene, perfumaria e cosméticos] todos os anos. Somos usuários intensivos de embalagens. É uso sabonete, pasta de dente, xampu, maquiagem, absorvente íntimo, cotonete… Produtos que fazem parte do dia a dia. São 500 mil toneladas de embalagens todos os anos”, afirma Fábio Brasiliano, diretor de desenvolvimento sustentável da Abihpec.

O Mãos pro Futuro identificou que o Brasil tinha uma figura muito peculiar sem a qual não é possível fazer qualquer trabalho de reciclagem: o catador. Seis mil profissionais já foram beneficiados com os R$ 150 milhões investidos no programa.

A meta para os próximos anos é fazer mais parcerias com cooperativas de materiais de reciclagem. Especialmente na região Norte do país.

Brasiliano lembra que o objetivo do programa é o coletivo. Reduzir emissões, ajudar na luta contra as mudanças climáticas e reciclar lixo. Mas isso se mistura com sonhos individuais. Como o de Joelma reunir os quatro filhos. Ou o de Ana Beatriz.

“Já me perguntaram: ‘ah, você não tem vergonha de trabalhar numa cooperativa de reciclagem? Mexer com lixo’ Respondi que não. As pessoas têm preconceito com catadores de recicláveis. Eu estou ajudando a minha cidade e me ajudando a recomeçar, a reconquistar”, finaliza.

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