/ Jul 03, 2025

Pochmann defende programa do IBGE e fala em transformação – 02/07/2025 – Mercado

O presidente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Marcio Pochmann, afirma que tem recebido de “forma democrática” as críticas de servidores à sua gestão.

O economista, que assumiu o cargo em agosto de 2023, diz seguir em busca de transformações no órgão oficial de estatísticas do país. “Agora, não há transformação sem resistência”, declara em entrevista à Folha.

A nova polêmica envolvendo o IBGE ganhou corpo a partir da semana passada, quando a gestão do instituto lançou o Programa Nacional de Inteligência e Governança Estatística e Geocientífica para Subsidiar Políticas Públicas Preditivas.

A iniciativa foi anunciada em parceria com o Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados) e recebeu adesão de outros órgãos, incluindo ministérios.

Dentro do IBGE, contudo, o projeto levantou incertezas ao incluir o termo “preditivas”. Isso porque predições podem ser interpretadas como sinônimo de previsões.

A instituição até já faz projeções, mas somente em casos específicos, como nas estimativas da população e no acompanhamento da safra agrícola. A ideia, segundo fontes, é evitar erros e ruídos desnecessários.

À Folha Pochmann defende o novo programa e afirma que o IBGE seguirá produzindo os seus trabalhos. De acordo com ele, o caráter preditivo ficará a cargo das políticas públicas que podem ser desenvolvidas por órgãos parceiros. Fazer projeções macroeconômicas não parece ser uma necessidade do instituto no momento, aponta.

Conforme o economista, a nova iniciativa é parte da construção do Singed (Sistema Nacional de Geociências, Estatísticas e Dados). Esse sistema propõe ao IBGE atuar como coordenador de informações no país, integrando bases de diferentes órgãos.

Na semana passada, a entidade sindical dos servidores do instituto, a Assibge, manifestou preocupação ao comentar o novo programa e disse que “predição não é estatística oficial”.

“Embora em algumas temáticas específicas o IBGE realize prognósticos, como no caso da produção agrícola, e projeções, como no caso da população, elas diferem consideravelmente da ideia de ‘predições’ generalizadas”, afirmou.

“As projeções realizadas pelo IBGE baseiam-se em metodologias consolidadas e hipóteses bem definidas, sem pretensão de ‘predição’. A produção subjetiva de ‘predições’ é incompatível com a produção de estatísticas oficiais”, completou a Assibge.

À Folha Pochmann também diz que o instituto segue à espera de orçamento para saber se conseguirá realizar o Censo Agropecuário em 2026.

O que está previsto no novo programa do IBGE?

Esse programa não é uma ilha. Está vinculado ao Singed. Ele organiza algo que já está em curso na instituição há muito tempo. O IBGE faz projeção e estimativa [da população] desde 1973.

Também faz, desde 1975, projeções da produção agropecuária [safra]. É algo que não é novo, a instituição já trabalha com isso. Tem expertise.

O que, na verdade, estamos querendo concretizar é o movimento de integração dos diferentes bancos de dados, com objetivo estatístico e geocientífico.

As políticas públicas tradicionalmente são feitas com base na realidade observada, [no que] já aconteceu. O que a gente pretende oferecer, porque isso faz parte do que o IBGE já faz há mais tempo, são as chamadas pesquisas experimentais.

Elas não fazem parte do rol de pesquisas conjunturais, como inflação, pesquisa de emprego e desemprego, e tampouco de pesquisas estruturais, como Censo Demográfico, Censo Agropecuário.

Fizemos um diálogo com instituições, há outras inclusive já também interessadas, para que pudéssemos estabelecer o acesso ao banco de dados disponível.

Tem uma tendência que o IBGE já revelou de queda na taxa de fecundidade, já revelou, por exemplo, a projeção até 2070 da população, mas essa projeção é nacional e por estados. Não está ainda configurada por municípios.

Ao ser configurada por municípios, teremos condições talvez de antecipar problemas. Talvez vamos ver com o INSS como estará dispersa a população de 60 anos ou mais na geografia brasileira.

Estará residindo em municípios pequenos? Em municípios grandes? Em áreas que têm acesso a serviços ou que não têm? A ideia é um programa de inteligência, estamos combinando o uso de big data.

Temos muitos dados, só do IBGE, e agora vamos passar a associar com outros bancos. Está relacionado ao uso de inteligência artificial, que vai contribuir muito.

E essas predições ou previsões? Quem faria?

O que estamos pensando: o IBGE vai fazer estatística, que é o que sempre fez, está certo? A partir desses dados que são projeção, que nós já fazemos, não tem novidade nenhuma.

Estamos tentando diferenciar. A política pública tradicional é aquela que trabalha com dados observados. O que estamos dizendo é o seguinte: se há tendências que podem ser utilizadas por instituições que são parceiras, então nós temos condições de oferecer essas informações. Agora, o que é preditivo? É a política.

A predição, no caso, é a política a ser desenvolvida por outros órgãos?

Sim, evidente, não nos cabe.

Não parte do IBGE?

Não, imagina.

Então, o IBGE pretende continuar a levantar dados, integrá-los com outros bancos e oferecê-los para outros órgãos públicos, para que eles façam suas políticas?

Se desejarem. Isso aí não nos cabe informar. Estou dizendo o seguinte: a política pública preditiva é a política que pode antecipar problemas. Mas esse é o papel da política pública. Não é o papel da estatística.

O que o IBGE faz está certo, é projeção, estimativa. Isso é uma coisa que a gente faz historicamente. Continuaremos fazendo isso. Não tem novidade.

O IBGE, tradicionalmente, se baseia em diretrizes internacionais de estatística. Há algum instituto ou órgão que já faz o que o IBGE pretende fazer agora?

Sobre a força de trabalho, o Bureau of Labor Statistics [órgão dos EUA] utiliza, o instituto de geografia e estatística do México faz projeções a partir de movimentos migratórios. Cada país tem suas especificidades.

O que estamos fazendo é seguir um manual de boas práticas. Não há nenhuma divergência. Estamos fazendo isso a partir de metodologia científica.

Por privilégio de ser presidente do IBGE, participei da comissão de estatística das Nações Unidas, da comissão de estatística das Américas, no âmbito da Cepal, da comissão de estatística europeia, da conferência de política estatística da OCDE, dos Brics, dos países de língua portuguesa.

Todos estão trabalhando, crescentemente, com múltiplas fontes, com inteligência artificial, com ciência de dados. O IBGE, nesse sentido, está atrasado. Precisamos avançar mais rapidamente.

Na semana passada, o sindicato dos trabalhadores do IBGE disse que “predição não é estatística oficial” e que o novo projeto não foi debatido com técnicos. Isso procede?

De qual sindicato você está falando?

Assibge.

Suponho que viriam a conhecer o que aconteceu na casa. Tivemos o 3º Encontro Nacional dos Servidores, estamos estabelecendo o plano quinquenal de trabalho, de 2026 a 2030. Temos um fórum de discussão, e esse tema foi tratado, entre outros.

[Re]Criamos uma coisa que desde 2004 não existia no IBGE, o comitê técnico. Ou seja, tomamos todas as iniciativas com o objetivo de dar vazão à inovação que estamos implementando. Isso é um diálogo aberto dentro da casa.

E nós não falamos em estatística preditiva. Estamos falando em políticas públicas preditivas. O que nós fazemos, mais uma vez, é projeção e estimativa. Continuaremos fazendo.

O IBGE, como o sr. lembrou, faz projeções populacionais e de safra. A ideia é ampliar os assuntos das projeções?

O que pretendemos é, em primeiro lugar, montar o Singed. O Singed vai ser montado através de parcerias que permitam integrar bancos de dados.

Ao integrar bancos de dados, teremos possivelmente informações de caráter mais totalizante. Então, nesse sentido, o que é possível para quem busca antecipar problemas? O centro, geralmente, vai ser a população, seja para qualquer área.

O Insee [similar ao IBGE], francês, e uma série de outros exemplos fazem projeções macroeconômicas. Não me parece a necessidade nossa no momento.

Qual é o objetivo do Singed e desse programa? Um, soberania de dados. O Brasil não tem. Grande parte das informações está na mão de instituições estrangeiras.

Segundo, democratizar as informações para que os governos estaduais, federal e municipais possam fazer melhores políticas públicas com esse caráter preditivo, antecipando problemas.

O IBGE já disse que aguardava verba para realizar o Censo Agro. Como está essa tratativa?

Aguardamos posição de Brasília.

Não teve nenhuma novidade sobre recursos?

Temos um recurso orçado muito pequeno, precisaríamos de complementação. Estamos aguardando se vai haver complementação que permitiria iniciar os testes este ano para, então, ir a campo ano que vem. Mas, sem recurso, não haverá condições de ser feito.

Não tem como garantir ainda que o Censo Agro irá a campo em 2026?

Não, não tem. Para ir a campo, é preciso fazer os testes. Estamos preparados para fazer os testes, fizemos várias reuniões. Estamos em ponto de bala. Liberando recursos, vamos fazer esses testes. Agora, sem recurso, não é possível.

O sr. fala do privilégio de estar à frente do IBGE e das viagens como presidente do instituto. Quais foram os resultados práticos dessas viagens?

É uma função institucional do presidente do IBGE, uma instituição tão grande, uma das maiores do mundo. Permitiu que o IBGE, que estava relativamente isolado, retomasse a [presença na] comissão de estatísticas das Nações Unidas, a elite da estatística internacional.

Em segundo lugar, a nossa participação, não só a minha, mas dos colegas, tem sido para apresentar trabalhos, experiências que o IBGE vem tendo, e, ao mesmo tempo, colher a experiência de outros países.

Temos procurado ser muito transparentes, participativos, porque a gente tem uma série de diálogos. O que estamos fazendo na instituição é uma transformação.

Transformações que o IBGE teve no passado ocorreram em regimes autoritários. O IBGE se constituiu em 1938, na combinação de estatística com geografia, no Estado Novo. Ou seja, que democracia teve?

Outra mudança foi nos anos 1960 e 1970, sob a ditadura militar. Aqui se fez modificações, se introduziu, por exemplo, pesquisas amostrais com demissão de pessoas, expulsão. Estamos levando a discussão à frente, de forma democrática. Tem críticas, isso faz parte.

Como avalia as críticas feitas principalmente pelo sindicato?

Como forma democrática. É uma instituição de representação dos servidores. Ouvimos, temos tido reuniões frequentes. Agora, não há transformação sem resistência. Isso é natural. No passado, as resistências desapareceram porque havia autoritarismo. Não é nosso caso.

A Fundação IBGE+ [iniciativa para ampliar as receitas do IBGE criticada por servidores] foi suspensa no início do ano. Há chance de o projeto ser retomado?

Foi suspenso para identificar um melhor modelo jurídico de funcionamento. Estamos fazendo discussão com várias instituições.

Ou seja, é possível que seja retomado? Ou não?

Ou não. Não tem ainda uma decisão. Fizemos uma discussão dentro da casa, abrimos para sugestões de como superar o problema do subfinanciamento da casa. De maneira geral, todos reivindicam a mesma coisa: mais orçamento.


RAIO-X | Marcio Pochmann, 63

É economista e presidente do IBGE. Foi presidente do Ipea e do Instituto Lula. Construiu carreira acadêmica em instituições como Unicamp, publicou livros e tem trajetória política ligada ao PT.

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