Entidades representativas de setores produtivos apostam em uma conciliação para solucionar a crise do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). As confederações nacionais da Indústria (CNI), do Transporte (CNT) e do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) pediram ao STF (Supremo Tribunal Federal) a rejeição da ação do governo para retomar as elevações mas, ao mesmo tempo, propuseram o encaminhamento da matéria para uma mesa de negociação e a participação nela.
A AGU (Advocacia-Geral da União) apresentou uma ação na terça-feira (1º) com pedido de declaração de constitucionalidade do decreto presidencial que elevou alíquotas do IOF. No mesmo dia, o processo já teve dois pedidos de ingresso, um das três confederações e outro da Fiep (Federação das Indústrias do Paraná).
Como mostrou a Folha, ministros da corte avaliam a possibilidade de assumir a costura de uma conciliação entre o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a cúpula do Congresso Nacional em torno do tema. O ministro Alexandre de Moraes deverá liderar essa negociação. Ele é o relator das três ações sobre o tema no STF.
As entidades sindicais afirmam que os decretos em discussão promoveram alterações substanciais na conformação jurídica do IOF incidente sobre operações de crédito e câmbio, com aumento relevante da carga tributária anual de IOF-Crédito para pessoas jurídicas.
“Tais majorações afetam diretamente as operações financeiras essenciais ao funcionamento das empresas industriais, incluindo operações de crédito para capital de giro, financiamento de investimentos, operações de câmbio para importação de insumos e exportação de produtos, bem como operações de seguro necessárias à proteção patrimonial”, dizem.
Segundo as confederações, o impacto é particularmente importante sobre as microempresas e empresas de pequeno porte, pelas maiores dificuldades para absorver o incremento da carga tributária e de captar crédito no mercado.
No caso dos transportes, o aumento do custo do financiamento poderia prejudicar a capacidade de renovação da frota, investimento em tecnologia e melhorias operacionais.
Assim, elas defendem a medida do Congresso de derrubar os atos do governo em 24 de junho, alegando que o Executivo cometeu abusos ao editar as normas, tanto pela motivação arrecadatória quanto pelos efeitos práticos das alterações.
“Os decretos sustados incorreram em desvio de finalidade, violaram dispositivos do Código Tributário Nacional e da própria Constituição, além de introduzir nova hipótese de tributação, sem previsão legal, com indevida usurpação da competência do Legislativo”, afirmam as entidades empresariais.
Da mesma forma, a entidade do Paraná argumenta pela legitimidade da decisão do Parlamento.
“Ao Poder Legislativo é permitido sustar decretos do Poder Executivo sempre que tenha ocorrido exorbitância do poder regulamentar, inclusive quando o regulamento se desvia da finalidade legal em que se baseia, sem que isso configure infração a separação dos Poderes —que, na realidade, é justamente o princípio que se pretende preservar”, diz.
As duas peças acrescentaram trechos, ainda, sobre a possibilidade de uma conciliação.
“A experiência contemporânea demonstra que controvérsias constitucionais desta natureza, quando submetidas a processos de solução consensual conduzidos pelo STF, frequentemente, resultam em acordos que não apenas resolvem o conflito imediato, mas também estabelecem precedentes construtivos para o aperfeiçoamento do sistema constitucional e a prevenção de futuras tensões entre os Poderes”, dizem CNI, CNT e CNC.
A Fiep, por sua vez, afirma que o Supremo tem um histórico positivo de resolução de conflitos por esse meio, especialmente em casos tributários.
“Casos paradigmáticos como a ADO 25 (Lei Kandir), a ADI 7191 e ADPF 984 (ICMS sobre combustíveis), e múltiplos processos envolvendo FUNDEF (ACO 648, 669, 683, 701, 718) evidenciam que questões complexas envolvendo competências tributárias entre os Poderes encontram soluções mais duradouras e eficazes através do diálogo institucional mediado por esta Supr ema Corte”, diz a federação.
A partir desta quarta-feira (2), parte desse debate deve ocorrer em Portugal, onde integrantes do governo e ministros do STF participam do 13º Fórum de Lisboa.
Apelidado de “Gilmarpalooza” por ser capitaneado por Gilmar Mendes, o evento contará, por exemplo, com a presença de Messias, do relator do tema, Moraes, e do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos).
Além deles, dos signatários das peças, o diretor jurídico da CNI, Alexandre Vitorino, também está no encontro. Ele participa de mesa sobre fomento à tecnologia.
No STF, há precedentes que sinalizariam um caminho favorável ao governo no caso. Decisões de 2019, 2020 e 2023 rejeitam a sustação de decretos por Assembleias Legislativas contra atos de governos estaduais —seguindo o artigo 49 da Constituição, segundo o qual o Parlamento pode derrubar medidas do Executivo apenas quando elas extrapolarem limites.
Outros julgamentos admitem o uso do IOF para aumentar a arrecadação. Uma decisão de 2024, por exemplo, afirma: “é certo que eventual prevalência de finalidade extrafiscal adotada por um tributo não impede, até como consequência lógica, sua função arrecadatória, em menor ou maior grau”.
A avaliação, segundo os magistrados da corte e assessores próximos, é que a questão seria juridicamente simples de ser resolvida. O governo tem competência para fixar medidas de gestão e arrecadação e não haveria abuso no aumento do IOF. Contudo, há a visão de que o tema é da seara política e deveria ser resolvido entre os atores desse cenário.
Por outro lado, os ministros têm lidado com alto volume de desgastes, com o recente julgamento do Marco Civil da Internet (por meio do qual ampliaram as obrigações das plataformas de redes sociais), o processo em curso da trama golpista de 2022 e o embate sobre os limites das emendas parlamentares.
Aliados de Lula apostam na viabilidade de negociação e veem a possibilidade de um avanço célere das conversas. Um ministro do governo compara a ação do Executivo à administração de um medicamento para baixar a febre, permitindo o início de tratamento do problema. Essa pessoa vê chance de negociação se o tribunal conceder liminar ao governo para reativação das mudanças do IOF.