A reforma tributária em curso no Brasil chega carregada de promessas: simplificação do sistema, promoção da justiça fiscal e estímulo à atividade econômica, tudo isso sem aumentar a arrecadação total. No entanto, uma análise mais cautelosa revela que, apesar dos avanços, o país ainda enfrenta inúmeros desafios para concretizar tais objetivos.
Entre os principais eixos da reforma, destaca-se a adoção da não-cumulatividade ampla por meio da criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Com essa mudança, o tributo pago em cada etapa da cadeia produtiva poderá ser recuperado como crédito, o que afeta diretamente a formação de preços e as relações entre empresas e fornecedores. Essa sistemática pode beneficiar setores industriais mais complexos, mas levanta preocupações sobre seus efeitos sobre pequenos e médios negócios.
Um dos pontos mais sensíveis diz respeito ao impacto da nova sistemática de créditos e débitos sobre os optantes pelo Simples Nacional. Como os tributos pagos por esses contribuintes geram crédito, na maioria dos casos, reduzidos para seus clientes do regime regular, há o risco de que se tornem menos competitivos.
Embora a legislação permita que migrem para o regime regular, isso confronta diretamente o espírito de simplificação que sempre guiou o tratamento tributário das micro e pequenas empresas. Para que esses contribuintes tomem uma decisão informada, será necessário avaliar a estrutura de custos, a composição da carteira de clientes e o potencial de geração de créditos próprios. Somente um estudo customizado para cada contribuinte permitirá saber se vale mais a pena permanecer no Simples ou migrar para o novo regime.
Outra preocupação relevante envolve o regime do lucro presumido. A substituição de PIS/Cofins pela CBS pode aumentar a carga tributária para empresas enquadradas nessa sistemática, mesmo com a possibilidade de créditos. Isso levanta um debate legítimo sobre justiça fiscal: é coerente onerar ainda mais quem já possui menor capacidade contributiva? Alguns argumentam que muitos pequenos e médios empresários são pouco tributados sobre a renda, já que retiram lucros isentos de imposto de renda.
Contudo, esse debate revela um problema estrutural maior: a reforma do consumo não pode ser desvinculada de uma revisão profunda da tributação sobre a renda e o patrimônio. Sem essa articulação, o risco é não corrigir as desigualdades tributárias.
Também há pontos sensíveis a serem avaliados para determinar em que medida incentivam o crescimento da economia. Por exemplo, a reforma inova no tratamento de serviços e bens imateriais importados. Para assegurar o recolhimento dos tributos, a lei prevê que o fornecedor estrangeiro será solidariamente responsável com o adquirente nacional pelo recolhimento do IBS e da CBS incidentes nestas transações. Por tal razão, o fornecedor estrangeiro deverá se registrar no Brasil como fornecedor para fins tributários.
A medida facilita a fiscalização e o combate à evasão, mas, por outro lado, impõe novos riscos a empresas que operam sem presença local, que não detêm controle sobre o recolhimento do tributo por parte do adquirente local.
As plataformas digitais, inclusive as estrangeiras, também entram no radar. Marketplaces que intermedeiam vendas para consumidores brasileiros, mesmo que sediados no exterior, deverão se registrar como responsáveis tributários e, em alguns casos, responder solidariamente com o adquirente. Embora essa medida busque conter práticas de sonegação, ela pode gerar, na falta de regulamentação clara, incertezas jurídicas e o aumento da percepção de risco tributário no Brasil.
Os efeitos práticos da reforma, especialmente sobre prestadores de serviços e consumidores, ainda são incertos. Há risco de aumento da carga efetiva para certos setores, enquanto consumidores podem sofrer com repasses de custo.
Empresas sob regimes que resultem em redução de créditos poderão ser prejudicadas. Nesse contexto, a reforma do consumo precisa vir acompanhada de políticas mais amplas de equidade tributária, que levem em conta renda e patrimônio.
Em suma, embora a reforma represente um avanço significativo em direção a um sistema tributário mais moderno e funcional, seu êxito dependerá de uma regulamentação técnica rigorosa, de monitoramento constante e de ajustes que considerem as realidades de diferentes contribuintes.
Mais do que nunca, será essencial que empresas de todos os portes façam um planejamento tributário detalhado, revisem seus modelos operacionais e compreendam os impactos econômicos e jurídicos das novas regras. Somente com esse preparo será possível minimizar riscos e, em muitos casos, identificar oportunidades reais de eficiência e crescimento.