Sabe aquele amigo que passou anos de chinelo, quieto no canto da sala, e de repente aparece de terno bem cortado e cheio de novidades? Os imóveis residenciais estão vivendo esse momento. Depois de quase uma década andando de lado e crescendo menos que a inflação, eles voltaram a brilhar — e o mais surpreendente: em plena maré de juros altos.
Pelo quarto ano consecutivo, os preços dos imóveis residenciais estão subindo mais do que o IPCA. Segundo o Índice FipeZAP, a valorização acumulada em 12 meses até junho foi de 7,49%, contra uma inflação de 5,37% no mesmo período. E tudo isso em um cenário em que o financiamento está entre os mais caros das últimas duas décadas.
Para entender o contexto, é preciso olhar a linha do tempo. Houve um boom de preços entre 2009 e 2013, impulsionado por crédito farto, crescimento econômico e programas habitacionais robustos. Os imóveis chegaram a subir mais de 25% ao ano. Depois, veio a estagnação: de 2014 até 2021, os preços praticamente empacaram — vários anos registraram desempenho abaixo da inflação e até queda nominal de preços.
A tabela abaixo mostra esse ciclo com clareza:
Ano | Índice FipeZAP (Brasil) | IPCA (IBGE) | Diferença |
---|---|---|---|
2009 | +21,13% | +4,31% | +16,82 p.p. |
2010 | +26,86% | +5,91% | +20,95 p.p. |
2011 | +26,32% | +6,50% | +19,82 p.p. |
2012 | +13,03% | +5,84% | +7,19 p.p. |
2013 | +13,74% | +5,91% | +7,83 p.p. |
2014 | +6,70% | +6,41% | +0,29 p.p. |
2015 | +1,32% | +10,67% | –9,35 p.p. |
2016 | +0,57% | +6,29% | –5,72 p.p. |
2017 | –0,53% | +2,95% | –3,48 p.p. |
2018 | –0,21% | +3,75% | –3,96 p.p. |
2019 | +0,00% | +4,31% | –4,31 p.p. |
2020 | +3,67% | +4,52% | –0,85 p.p. |
2021 | +5,29% | +10,06% | –4,77 p.p. |
2022 | +6,16% | +5,79% | +0,37 p.p. |
2023 | +5,13% | +4,62% | +0,51 p.p. |
2024 | +7,73% | +4,83% | +2,90 p.p. |
2025 até junho | +7,49% (12 meses) | +5,37% (12 meses) | +2,12 p.p. |
A retomada recente se dá, curiosamente, sem apoio direto do crédito tradicional. Com o custo dos financiamentos elevado, muitos consumidores migraram para o consórcio imobiliário, que possui custo significativamente menor, mas exige maior disciplina financeira. De janeiro a maio de 2025, o volume de crédito comercializado por consórcios de imóveis cresceu 55,8% em relação ao mesmo período de 2024. É um movimento silencioso, mas potente.
Ao mesmo tempo, há escassez de novos lançamentos em áreas valorizadas, um déficit habitacional que persiste e uma percepção renovada de que o imóvel é um ativo de proteção em tempos incertos. Com inflação elevada, cenário fiscal delicado e oscilações cambiais no horizonte, o tijolo parece que voltou a ser visto como reserva de valor.
Muitos investidores apostam que os juros devem começar a cair em 2026. E isso levanta uma questão relevante: se os imóveis já estão se valorizando com crédito caro e financiamento escasso, o que esperar quando o custo do dinheiro voltar a ceder?
Um cenário de juros mais baixos a partir do próximo ano, como o mercado espera, pode reaquecer ainda mais a demanda, ampliar o acesso ao crédito tradicional e pressionar os preços para cima com mais força. O movimento atual, então, pode ser apenas o início de um novo ciclo. Por isso, planejamento é essencial — porque quem espera o cenário perfeito, muitas vezes chega tarde.
É claro que a valorização não é homogênea. Ela se concentra em bairros bem localizados, imóveis de médio e alto padrão e grandes centros urbanos. Mas o recado do mercado é claro: o ciclo de quase 8 anos de baixa virou. E a pergunta que fica é: o seu planejamento já considera esse novo cenário?
Michael Viriato é assessor de investimentos e sócio fundador da Casa do Investidor.
Siga e curta o De Grão em Grão nas redes sociais (Instagram).