/ Jul 09, 2025

Wikipédia enfrenta resistência ao apostar na IA – 09/07/2025 – Tec

A Wikipédia está entre a cruz e a espada. De um lado, os grandes modelos de inteligência artificial se beneficiam dos 61 milhões de artigos abertos e pressionam a estrutura por trás deles. De outro, vê na mesma tecnologia uma oportunidade de melhorar a eficiência interna enquanto enfrenta resistência dos voluntários.

Em abril, a Wikimedia Foundation, entidade sem fins lucrativos que controla a enciclopédia digital, anunciou uma estratégia para adotar IA no fluxo de trabalho diferente do que tem sido observado nas grandes empresas de tecnologia.

A ideia é colocar os seres humanos no centro, valorizando a colaboração, e usar o recurso apenas para garantir que o trabalho de quase 25 anos de voluntários do portal continue existindo pela próxima geração. Mas faltou combinar com eles.

Apesar de recursos mais polêmicos e comerciais como chatbots, geração de imagens e vídeos —que têm aparecido em qualquer aplicativo que se aventure por esses campos— passarem longe dessa estratégia, o plano tem colocado em prática uma das maiores virtudes da plataforma, a transparência.

Nos fóruns de discussão, surgiram comentários como: “Deveria haver uma maneira para os editores optarem por não interagir com IA”; “A Wikipédia é o último grande recurso de informações confiáveis na internet. Adicionar imprecisões a ela destruirá todo o projeto”; “Ao implementar recursos de IA baseados em modelos treinados com dados não licenciados, a Wikimedia está claramente escolhendo um lado”.

Uma das ideias da fundação é aplicar modelos de linguagem abertos para identificar o uso de adjetivos ou a falta de fontes em verbetes. Com isso, a Wikimedia espera que uma edição feita por um voluntário de primeira viagem seja mais facilmente aceita, o que faria com que ele eventualmente retornasse à função.

No geral, essa estratégia de IA passa por frentes como automatizar tarefas tediosas para ajudar no fluxo de trabalho dos editores, automatizar tradução e ampliar a integração de novos voluntários.

“Outras empresas que estão trabalhando nesse tipo de coisa estão dizendo ‘em vez de humanos, poderíamos ter mais e mais GPUs [unidades de processamento gráfico]’”, disse Chris Albon, diretor de aprendizado de máquina da Wikimedia e um dos responsáveis pela implementação da estratégia.

“Adoraria chegar ao ponto em que um editor humano pudesse dizer: ‘Gostaria de encontrar todos os artigos sobre mulheres na ciência que não têm foto para eu poder incluir’. Queremos libertá-los da dificuldade da programação, o que lhes daria um conjunto de superpoderes para melhorar a experiência. Mas, no final das contas, são eles que estão tomando a decisão sobre o que estará no site.”

Esse é um aspecto que diferencia a enciclopédia das empresas convencionais. Como é uma fundação colaborativa baseada em transparência, as decisões geralmente não podem ser tomadas de maneira vertical.

Abaixo do título de qualquer artigo no site é possível ver a aba “Discussões”, onde editores tentam publicamente chegar a consensos, o que pode levar anos ou sequer ser alcançado. O recurso também está disponível na Meta-Wiki, onde a Wikimedia divulga seus projetos, orçamentos e afins.

A reação inicial foi também como uma prévia para o que aconteceria nos dias seguintes. Em uma vertente separada de testes com IA, a empresa disse em uma dessas páginas públicas que testaria uma função de resumir verbetes complicados usando linguagem mais simples —de modo similar ao que modelos como o ChatGPT e o Gemini conseguem fazer.

A reação foi ainda mais intensa, e o projeto foi pausado dias depois. “A comunidade não quer integrar IA na Wikipédia, e no futuro nosso ceticismo em relação à IA se tornará uma âncora ética para tudo o que fazemos e também um importante argumento a favor da Wikipédia”, escreveu um editor veterano no fórum.

Segundo Albon, o caso ressalta a importância de dialogar com a comunidade o mais cedo possível e mostra que de fato existe a necessidade de uma alternativa que ofereça diferentes níveis de leitura para artigos densos —talvez só não dessa forma nem neste momento.

“Não temos investidores, temos doadores e voluntários, então não há valor para nós colocar IA em coisas que não ajudam essas pessoas, que não ajudam editores e leitores. Não há ninguém para impressionar aqui. Às vezes podem ser coisas que usam IA e vamos experimentar como qualquer outro recurso, mas não estamos procurando lugares para colocá-la”, disse.

A relação da enciclopédia com a IA não se restringe às formas com as quais ela pretende usá-la no fluxo de trabalho. Ela também é afetada pelos grandes modelos de empresas como Google, Perplexity e OpenAI, que raspam seus dados e podem oferecê-los sem os devidos créditos.

A fundação define a situação em seu plano anual como um paradoxo, já que embora seus projetos tenham se tornado vitais para a infraestrutura de conhecimento da internet, ela tem uma visibilidade cada vez menor devido ao que chama de uma “arquitetura de busca baseada em chats”, não mais em links. Exemplo disso é o recente lançamento nos EUA do AI Mode, uma aba da Busca do Google voltada para pesquisa com IA.

“Embora o impacto final da IA ainda esteja por ser visto, o impacto dessa pressão ao longo do tempo pode contribuir para alguns de nossos indicadores em declínio, como tráfego regional e novos colaboradores”, escreve a fundação.

Para este ano, a Wikimedia teve um aumento de 5% no orçamento, de US$ 189 milhões, e projeta crescimentos similares em 2026 e 2027. Apesar da estabilidade, representa um decrescimento em relação a anos anteriores, e pressiona a conta para os próximos anos. No ano passado, precisou realizar cortes em pessoal e despesas.

A doação ainda representa a maior parte das receitas, mas nos últimos anos surgiram alternativas como o Endowment, para aportes duradouros, e o Enterprise, para acordos com outras empresas. Uma venda está fora de cogitação, como disse Jimmy Wales, um dos fundadores da Wikipédia, no início do ano após uma cruzada de Elon Musk contra a plataforma.

“O conhecimento humano criado na internet é algo valioso e precisamos garantir que continue sendo. Se os bots dominarem todas as redes sociais, torna-se menos valioso criar, dedicar tempo para escrever algo ou fazer um vídeo engraçado”, disse Chris Albon.

“A expansão do conteúdo de IA em grandes seções da internet significará que haverá muito mais ruído por aí, enquanto o criado por humanos, com alta qualidade, através de consenso e com um ponto de vista neutro, se tornará mais raro com o tempo. Em cinco anos o trabalho de cada voluntário será ainda mais importante do que é agora”.

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