O avanço da tecnologia nas últimas décadas tem sido incontestável. Acompanhamos a transformação digital de setores, a consolidação de ecossistemas de inovação e o crescimento de iniciativas voltadas à diversidade e inclusão. Porém, para quem é mulher e pessoa LGBTQIA+, essa evolução convive com barreiras estruturais que pouco se alteraram no tempo.
No recorte de gênero, os desafios como mulher são constantes na vida profissional. Minha trajetória foi criada moldando comportamentos e aparências para caber em espaços corporativos majoritariamente masculinos. Para ser levada a sério, precisei adotar uma postura que camuflasse “fragilidades” e reforçasse uma presença inflexível, traços associados à liderança masculina. Não era apenas sobre como me vestia ou falava, mas sobre o quanto eu podia compartilhar de mim mesma.
Com relação à identidade LGBTQIA+, senti falta de ter um espaço confortável para compartilhar mais. Por muitas vezes, optei por silenciar aspectos da minha vida pessoal, como o fato de ser casada com uma mulher, temendo o julgamento ou o desinteresse em ambientes profissionais.
Essa autocensura revela o quanto ainda operamos dentro de uma lógica que exige padrões heteronormativos. Isso se expressa no modo como líderes LGBTQIA+ são ouvidos em reuniões, no espaço que ocupam nas tomadas de decisão, ou na forma sutil como suas competências são postas em dúvida.
A identidade que carrego resulta em barreiras que às vezes não são percebidas de forma consciente. Já vivi momentos em que percebi desinteresse dos ouvintes em uma reunião após mencionar minha sexualidade, como se o fato de não ser mais uma mulher disponível para aquele ambiente majoritariamente masculino diminuísse a atenção. Em outros, minha posição como sócia e co-CEO foi colocada em cheque apenas por ser uma mulher. É um constante estado de alerta ao ambiente, fazendo leituras frequentes e medindo nosso jeito de ser.
Eu reconheço os avanços: a diversidade entrou na pauta de muitas empresas. Há iniciativas relevantes, políticas de inclusão e uma atenção à representatividade. Mas, isso ainda é um recorte. Em muitas companhias com estruturas mais tradicionais, moldar-se a uma identidade heteronormativa ainda é uma expectativa.
É necessário admitir que boa parte desse movimento de inclusão é superficial: basta o menor sinal de queda no desempenho econômico para que os orçamentos sejam cortados. Num mundo ideal, esses programas seriam iniciativas mais perenes e tidas como essenciais ao ecossistema.
Faço parte de um pequeno grupo de fundadoras LGBTQIA+ e escolhi construir uma cultura organizacional em que a autenticidade é um valor e não um risco. Mas sei que não é a realidade da maioria, e precisamos de mais ações sistêmicas que promovam ambientes seguros e equitativos.
Aos jovens LGBTQIA+ que desejam empreender ou entrar no setor de tecnologia, deixo um conselho: a autenticidade é uma força. Esconder quem você é pode até abrir algumas portas no curto prazo, mas nunca sustentará uma trajetória plena.
A tecnologia tem o poder de transformar e isso precisa incluir todas as vozes, especialmente aquelas que historicamente foram silenciadas. A diversidade não é uma questão de imagem. É uma questão de desempenho, de inovação e de futuro.
O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço “Políticas e Justiça” da Folha de S. Paulo sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Nicole Franco foi “Si Jamais J’oublie”, da cantora francesa Zaz.