Jardis Volpe, um dermatologista formado pela USP com clínica em bairro afluente de São Paulo, ativo nas redes sociais em que veicula conteúdo bastante didático, às vezes com ajuda de “cameos” de pacientes famosas como as atrizes Maria Fernanda Cândido e Alessandra Negrini, tem tudo para ser considerado o novo apóstata da corrida.
A atividade já mereceu dele “nota zero” –a mesma de “preenchimento para flacidez”– numa postagem no Instagram sobre tratamentos (e ações e/ou substâncias) que fazem bem para a pele.
Ovos na dieta e colágeno oral mereceram 10.
Em outra publicação, disse que corrida, praticada mais de três vezes por semana e de maneira intensa, “faz o rosto literalmente derreter”. A atividade levaria ao consumo dos “compartimentos saudáveis de gordura da face, sobretudo nas regiões malar e submalar”.
“Saiba que seu rosto vai afinar”, manda.
Volpe sugere a quem não quiser deixar de correr ativar a produção de colágeno, às vezes com implantes –serviço que executa em seu consultório–, ou adotar uma “estratégia de exercícios” que ele também se propõe a oferecer.
A postagem de alguma forma recicla a afirmação da atriz Claudia Raia, outra de suas pacientes, que disse então que a corrida faz tudo cair, “a cara, o peito”.
“Correr não é maravilhoso”, cravou.
Alguns seguidores de Volpe no Instagram escreveram que correm porque isso os faz felizes, e essa é uma condição de suficiência.
Antonia Vianna: “Para mim o que importa é a felicidade que a corrida me proporciona”.
Bárbara Sobreira: “Nem penso em parar de correr, é o exercício que me dá mais satisfação”.
Numa pesquisa com metodologia indigna desse nome feita de chofre com o universo bastante restrito de meia dúzia de amigos corredores deste colunista, “Corro porque me faz feliz” foi a definição apresentada de maneira unívoca pela tigrada.
De fato, a receita ano zero de qualquer educador físico é fazer com que seu aluno descubra a atividade física que lhe dá prazer, a fim de que ela se encaixe na rotina do camarada e torne-se tão natural quanto almoçar, dormir ou trabalhar.
E fazer atividade física, como é sabido, é muito melhor para a saúde e para a longevidade do que a inação. Conforme mesmo disse o médico Drauzio Varella no mais recente programa Roda Viva, citando a OMS, o sedentarismo vai matar tanto quanto o tabagismo no século 21.
Assim, se o rosto tiver de cair, paciência.
De qualquer forma, de volta ao Instagram de Volpe, outras comentadoras mostraram-se resolutamente influenciadas por Claudia Raia.
Vania Silva: “Eu corria na esteira, depois que ouvi a Claudia Raia falando isso, eu só faço bicicleta”.
O oncologista cutâneo João Duprat Neto, líder dessa especialidade no hospital A.C. Camargo, onde me submeto a uma incisão nesta quarta-feira (16) para impedir a irradiação de um melanoma que se estabeleceu insidiosamente numa velhíssima pinta nas minhas costas, disse-me o seguinte:
“Como todo exercício aeróbico [feito] em grande quantidade, há uma perda da gordura. Mas pra isso tem de fazer muito, e volta rapidamente se você para. Se correr é um prazer, eu não pararia. Se começar a te incomodar e se acontecer o emagrecimento da face, aí você vê”.
