A Páscoa deste domingo (20) deve ser 12% menos doce. Essa é a queda no volume de vendas de chocolates sazonais no Brasil este ano projetada pela Euromonitor International, em comparação com 2024, segundo dados obtidos com exclusividade pela Folha. De acordo com a consultoria, serão vendidas 7.320 toneladas este ano, em comparação com 8.320 no ano passado. É o primeiro recuo desde 2021, período mais agudo da pandemia.
A Páscoa representa até 70% da venda de chocolates sazonais, que neste caso são basicamente ovos, coelhos e todas as embalagens que façam alusão à data.
A disparada na cotação do cacau no mercado internacional no último ano levou a uma alta de 21,7% no preço de chocolates em barra e bombons no país no acumulado de 12 meses até março, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Diante deste cenário, a indústria decidiu reduzir em 22,5% a produção de ovos para a Páscoa 2025, com a fabricação de 45 milhões de unidades. Além de exigir maiores custos de embalagem e logística, com entrega em caminhões refrigerados, o ovo tradicional demanda mais chocolate –daí a aposta em mais opções recheadas com doces ou biscoitos neste ano.
Por outro lado, os fabricantes aumentaram o número de itens, de 611 para 803, segundo a Abicab (Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Cacau, Amendoim, Balas e Derivados). Entram em cena mais caixas de bombons, mini coelhos e até barras de chocolate como sugestão de presente.
A Hershey’s levou uma campanha à TV para falar das barras presenteáveis de Páscoa, item que também foi alvo de lançamento da Ferrero no Brasil neste ano. Do lado do varejo, grandes redes como Carrefour e Americanas parcelam a compra dos chocolates de Páscoa em até dez vezes.
De acordo com a Scanntech, plataforma que mede as vendas do varejo alimentar, o movimento de diversificar os formatos de chocolate para baratear o desembolso na Páscoa não é novo. No ano passado, os bombons representaram 52% do volume vendido de chocolate na semana de Páscoa, período em que os tabletes (18%) praticamente empataram com os ovos (18,5%).
Neste ano, quando faltavam duas semanas para a Páscoa, os bombons estavam representando 44% das vendas de chocolate, os tabletes 31%, enquanto os ovos somavam apenas 1,4% em volume.
“A cada ano, vemos os itens da linha regular de chocolates, em especial barras e bombons, ganharem mais espaço sobre a venda de ovos de Páscoa”, diz Marco Alcolezi, diretor executivo de operações hiper, super e proximidade do Carrefour. De acordo com o executivo, em volume, a rede deve crescer entre 1% e 3% nesta Páscoa, mas em valor a venda avança em dois dígitos, por causa dos reajustes de preços.
Cerca de 30% das compras de Páscoa são parceladas. No cartão da loja, o Carrefour divide em até dez vezes, com parcelas mínimas de R$ 20. Nos demais cartões, as compras podem ser parceladas em até três vezes. A varejista conta com ovos de marca própria (a partir de R$ 35 a unidade de 160g), que costumam ser as opções mais baratas do mix.
PRODUTO DE PREÇO MÉDIO PERDE LUGAR PARA O PREMIUM
“O consumidor migra não só de loja e de marca em busca do mais barato, como também de produto”, diz Alcolezi. Como exemplo, ele cita as demais categorias tradicionais desta época, como azeite, conservas, vinhos e pescados. “Se o cliente não pode pagar pelo bacalhau, vai para o salmão. Se não dá para comprar salmão, escolhe a tilápia. E se não dá para comprar tilápia, leva sardinha. É preciso ter o mix todo.”
Na rede Chama Supermercados, com lojas na zona leste da capital paulista e Grande São Paulo, a busca tem sido pautada por preço. “A marca mais vendida é a Lovare, com ovos a partir de R$ 6 na versão de 50 gramas”, diz Fabio Iwamoto, diretor da rede. Em volume, as vendas de ovos de Páscoa subiram pouco, cerca de 4% no acumulado de 30 dias até o último dia 14, em comparação a período equivalente de 2024.
Por outro lado, as vendas de peixes frescos e de bacalhau avançaram 20% neste intervalo. Segundo Iwamoto, esses produtos não tiveram tanta variação quanto o chocolate no último ano. “Além disso, o período em que cai a Semana Santa costuma impactar as vendas”, diz ele. “No ano passado, caiu no fim do mês, quando o consumidor está com menos dinheiro. Neste ano, foi mais favorável.”
Priscila Ariani, diretora de marketing da Scanntech, concorda. “O efeito calendário da Páscoa deste ano tende a amenizar em parte o impacto inflacionário”, diz. Ainda assim, o consumo vem “andando de lado”. “Não cresce porque a inflação vem sobre uma base que já estava alta”, diz ela. “O consumidor vai procurar o que for mais barato.”
Priscila chama a atenção, no entanto, para o efeito “high-low” (alto e baixo): a maior parte dos consumidores busca o preço mais em conta, mas existe uma fatia que decide migrar para o produto premium. “São clientes de marcas de médio preço que, diante da inflação, preferem pagar um pouco mais para levar um produto de maior qualidade.”
BRASIL É O QUINTO MAIOR MERCADO GLOBAL DE CHOCOLATES
Esta é a aposta da Ferrero no Brasil. Para Fernando Careli, diretor de relações institucionais da empresa para a América do Sul, o consumidor com orçamento limitado se dá menos chance de errar. “Ele vai escolher os produtos nos quais confia”, diz o executivo, que espera um aumento de dois dígitos nas vendas de Páscoa deste ano.
O país está entre os dez maiores mercados mundiais da fabricante italiana, dona da Nutella, que lidera a venda de doces na Europa. “Nossa receita de chocolate é a mesma no mundo todo, não adaptamos preço por causa de mudança de ingrediente”, afirma.
Diante da alta do cacau, a empresa decidiu ampliar o portfólio para produtos mais acessíveis: lançou tabletes de 90g, com preço sugerido de R$ 25. A título de comparação, um Kinder Ovo de 100g custa R$ 79. Outra novidade para orçamentos enxutos foi o Coelho Kinder, uma embalagem com três miniaturas (15g cada uma) por R$ 23.
O carro-chefe da companhia são as embalagens de bombons Ferrero Rocher, com 3, 4, 8, 12 e 24 unidades (de R$ 11 a R$ 86). “Nos últimos quatro anos, dobramos a produção tanto das linhas regulares quanto das de Páscoa”, diz Careli.
Segundo a Euromonitor, o Brasil é o quinto maior mercado do mundo em consumo de chocolates (depois de Estados Unidos, Rússia, Alemanha e Reino Unido). Neste ano, o volume deve atingir 385 mil toneladas, ligeira alta de 3% sobre 2024. Já em valor a previsão é chegar aos R$ 36,7 bilhões, alta de 26% na comparação anual.
O aumento de preços da categoria não deve parar em 2025, diz Adriana Murasaki, analista de pesquisa da Euromonitor. “A indústria costuma trabalhar com hedge [proteção contra variações abruptas de preço] em contratos futuros [de cacau], que normalmente duram dois anos”, afirma. “Em 2025, esses contratos se encerram, o que significa que em 2026 os preços devem estar ainda maiores.”
Segundo Jaime Recena, presidente da Abicab, a indústria vai continuar se esforçando para apresentar opções mais acessíveis ao consumidor. “Tanto que este ano alguns produtos esgotaram dias antes da Páscoa”, afirma.
Na opinião de Fabio Bentes, economista sênior da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), o mercado de trabalho mais aquecido amortece em parte a queda nas vendas da cesta de Páscoa, que deve ser de 1,4% este ano, para R$ 3,36 bilhões, já descontada a inflação. O recuo do varejo é puxado pela alta histórica do chocolate, diz. “O orçamento das famílias continua apertado.”