Em salões decorados com obras que ninguém sabe explicar e restaurantes onde o nome do chef vale mais que o sabor da comida servida, uma parte da elite brasileira cultua não a excelência, mas a aparência de excelência.
Entre uma taça de vinho importado e uma conversa sobre o novo destino internacional, perpetua-se uma miragem de que seu modo de vida é superior. Um modelo a ser seguido. Uma espécie de civilização paralela onde o status substitui a substância e o patrimônio serve à vaidade.
Esse viés de classe travestido de bom gosto não é inofensivo. Ao considerar suas preferências culturais, estéticas e comportamentais como universais e sinônimos de sofisticação, essa parcela da elite brasileira não apenas ignora o multiculturalismo do país, como empobrece seu próprio repertório.
O resultado são pessoas que se julgam refinadas e educadas, mas são intelectualmente rasas. Pessoas que se julgam cidadãs do mundo, mas são domesticamente alienadas. Pessoas que se julgam livres, mas estão fortemente acorrentadas ao olhar do outro.
Junta-se a isso o culto ao acúmulo material, ao networking performático, onde as interações sociais funcionam mais como uma coreografia artificial do que a constituição de uma troca genuína, as condecorações de participação distribuídas no teatro da distinção e os diversos selos de validação que alimentam a dança da exclusão.
Nesse universo particular, a vida transforma-se em uma grande vitrine. A existência passa a ser medida por métricas externas e não pelas convicções internas. Vive-se para ser visto, aprovado e aplaudido. O íntimo desaparece, substituído por uma persona cuidadosamente construída, mas essencialmente frágil.
Sim, frágil. Pois há algo profundamente decadente nessa lógica, visto que o narcisismo de classe nunca foi um sinal de força, mas um sintoma de fragilidade. É o incômodo de estar deixando de ser o centro das atenções. É a insegurança disfarçada de elegância. É também a tentativa desesperada de eternizar um modo de vida cada vez mais questionado, cada vez mais isolado, cada vez mais vazio.
Além disso, o problema é que esse narcisismo de classe está preso a uma visão curta e autorreferente. Ao projetar sua imagem como modelo, essas elites esquecem que estão olhando para um espelho, não para um país. Não veem as contradições da própria trajetória, nem reconhecem os atalhos que lhe foram oferecidos.
Há, nesse imaginário de grandeza, uma recusa sistemática ao desconforto da divergência humana. O outro… Aquele mais pobre, aquele mais escuro, aquele mais periférico… torna-se não um interlocutor, mas um problema a ser administrado, quando não manipulado.
Essa autoidolatria compromete o que deveria ser o verdadeiro papel das elites em sociedades democráticas, ou seja, o de pensar o país para além de si mesmas. Quando tudo gira em torno da própria imagem, não há espaço para a escuta, para o aprendizado coletivo, e muito menos, para a autocrítica.
A elite, então, deixa de ser liderança para se tornar uma caricatura. Um mundinho particular que se embriaga com seu próprio discurso, enquanto o mundo real pulsa lá fora com demandas que ela não sabe mais interpretar.
Essa coluna é a segunda da série que tenho feito sobre os desafios das elites. Além disso, é uma homenagem à música Gentleman, de Fela Kuti.