João Paulo 2º, papa de 1978 a 2005, militou pelo fim do comunismo. Contribuiu por vias indiretas, de efeito prático mínimo, para a derrocada soviética. Era anticomunista por todos os motivos óbvios, inclusive por ser polonês. Acabou por fazer parte da frente liderada por Ronald Reagan, que estressou até a morte o coração econômico-militar da União Soviética.
Francisco era das lideranças políticas mais sensatas e, habilidosas do planeta, uma raridade. Procurou reformar o Vaticano, suas finanças e corrupções, refazer o colégio de cardeais ou dar um destino sério, mas ainda muito discreto, ao caso da pedofilia, tudo isso sem causar terremoto que o incapacitasse politicamente. Para quem enxerga o catolicismo pelo monóculo da política ou de guerras culturais, parecia alguém que procurava reformar ideias católicas sobre costumes.
Francisco não era bem isso ou muito longe de ser apenas isso; a igreja está dividida, com muitos insatisfeitos com o mundanismo, como o dito progressista. Mas seu fim repercute na mídia por meio de comentários sobre direitos LGBTQIA+ ou de opiniões de evangélicos, sem se levar em conta o que o papa tentava modificar e preservar da doutrina e da prática católicas. Talvez essa pobreza intelectual e, para quem é crente, espiritual, se explique pela decadência do prestígio do catolicismo, pelo desconhecimento do que seja essa religião e a ignorância geral, que tudo vê e tudo mói pela política ou ideologia vulgar, seja no caso de religião ou do que sobrou de ideias e artes.
Mas assim era visto Francisco, o progressista o quanto possível. A vida desse papa ligeiramente mais franciscano, mas política e espiritualmente bem jesuíta, se encerrou no repique da grande onda reacionária que se vê no mundo faz uma década. Mal era ouvido por quem tem poder secular.
Agora, nas discussões ultramundanas do que será do catolicismo, a sucessão, especula-se que “os papáveis” favoritos são conservadores. O que seria conservador? Para certa esquerda cultural-midiática, ressalte-se, trata-se de saber das preferências papais ou do colégio de cardeais a respeito de ordenação de mulheres, homossexuais etc. são retrógradas, se é preciso dizer. O caso não é bem esse.
Talvez interessasse pensar se pode ser eleita a ideia de uma igreja que viria a se recolher em si mesma. A igreja dos poucos seria em parte aquela de Bento 16, daqueles capazes de compreender e pensar as exigências radicais de exame de consciência, da fé na vida eterna, da misericórdia, do sacrifício, do acolhimento e do reconhecimento da vaidade das coisas do mundo. O assunto pode interessar até quem trata de religião como mera política.
O novo papa vai protestar contra o risco renovado e aumentado do desprezo pelos direitos humanos em geral? Considere-se Donald Trump, o flagelo de Deus. Agora mesmo, noticia-se que o Departamento de Estado, as relações exteriores, vão largar até a aparência de defesa de democracia, direitos humanos e paz. Prega-se a perseguição de pessoas entre as mais danadas da terra, imigrantes. A paz se dana, faz-se o elogio da força bruta.
O novo papa vai ser um conservador da igreja e capaz de falar contra o avanço dos bárbaros? Não fará grande diferença prática, mas interessa saber, se o caso é falar de política.