/ Apr 23, 2025

Estados mineradores são vulneráveis à mudança do clima – 23/04/2025 – Ambiente

Essenciais na produção de baterias elétricas, minerais como lítio, cobre e cobalto já provocam uma espécie de “nova corrida do ouro” pelo mundo. O Brasil está no páreo para alimentar a transição energética e tem apostado em Minas Gerais, Pará, Goiás e Bahia —maiores produtores de minério do país.

O que não está sendo levado em conta, no entanto, é a alta exposição destas regiões a riscos climáticos e conflitos sociais alimentados pela mudança do clima. Este é o alerta do relatório “Riscos Climáticos Cumulativos para Minerais de Transição no Brasil”, lançado nesta quarta-feira (23) pelo Observatório da Mineração, think tank voltado ao setor extrativo brasileiro.

Segundo o documento, todos os quatro estados com maior produção de minério têm alta exposição a mudanças nos padrões climáticos até 2030. Minas, Goiás, Pará e Bahia devem vivenciar mudanças significativas nos regimes de temperatura e chuva —tanto em volume quanto em sazonalidade— no futuro próximo.

Para Maurício Angelo, diretor do Observatório da Mineração, o setor minerário aposta no discurso de que a extração de minerais de transição pode ser ambientalmente sustentável e é essencial para a transição energética, “como se esta expansão fosse ocorrer sem impactos”. “O modelo mineral brasileiro não mudou. A narrativa mudou, mas a prática segue igual”, avalia.

A percepção de Angelo não é isolada. “É uma ilusão achar que só porque é lítio ou níquel a mineração se torna verde. Ela continua sendo extrativista, poluente e concentradora de impactos”, diz a engenheira ambiental Juliana Siqueira-Gay, professora da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP).

Ainda de acordo com o relatório, enquanto longos períodos de seca tendem a colocar mais pressão sobre recursos hídricos, chuvas irregulares aumentam a insegurança de pilhas e barragens de rejeito. Com a saúde e segurança de trabalhadores e comunidades em risco, conflitos e tensões sociais podem se agravar.

Siqueira-Gay lembra que um estudo realizado na Poli-USP constatou que 44% das terras indígenas brasileiras podem ser impactadas pela extração de minerais críticos. Para ela, a decisão de abrir novas minas deveria ser mais inteligente, levando em conta as reais necessidades do país, o impacto sobre as comunidades afetadas e a probabilidade de secas e eventos extremos.

Para ela, o Brasil precisa de instrumentos melhores para aprimorar o planejamento estratégico na mineração. “A decisão de onde abrir uma mina deveria ser estratégica. Já temos reservas de nióbio suficientes para 200 anos, por exemplo. Por que minerar no Amazonas?”

Anfitrião da COP30 em alto risco

Das oito variáveis climáticas consideradas para os estados analisados, o Pará teve a pontuação mais alta para vulnerabilidade em cinco delas: risco de temperaturas extremas, calor fora de época, perda anual de chuvas, chuvas fortes fora de época, e dias úmidos consecutivos.

Segundo maior produtor mineral do Brasil, o Pará responde por 90% da produção de alumínio e também produz cobre, manganês, níquel e ouro.

Na visão de Angelo, os dados têm grande significado simbólico. Para ele, o levantamento mostra que, “enquanto se fala em transição energética e sustentabilidade na COP, o próprio estado anfitrião está entre os mais vulneráveis às mudanças climáticas e à expansão desordenada da mineração.”

O Pará também é o estado mais vulnerável a conflitos sociais em decorrência de impactos climáticos, conforme o relatório.

Angelo avalia que os fatores de risco apontados pelo relatório já estão sendo sentidos por toda a sociedade brasileira —mas afetam as comunidades indígenas, ribeirinhas e quilombolas de maneira desproporcional. “A mineração vem acompanhada de um impacto em série muito grande: rodovias, portos, energia, cidades, desmatamento e pressão sobre áreas protegidas”, observa.

Medir para resolver

Para elaborar o relatório, o Observatório da Mineração contou com o apoio da consultoria britânica TMP, que forneceu os dados. Justin Muhl, pesquisador à frente das análises de risco climático e minerais de transição, conta que foi preciso agregar dados do modelo climático utilizado no último relatório do IPCC (Painel Internacional sobre Mudanças Climáticas) para ver de perto os cenários para Minas, Pará, Goiás e Bahia.

Apesar de alarmantes, as previsões têm base em dados conservadores. “O que fizemos foi comparar o mundo de 1°C de aquecimento, do qual já passamos, com um mundo de 1,5°C —um futuro muito próximo. Isso traz previsões mais realistas”, conta Muhl. Atualmente, o planeta já aqueceu cerca de 1,3°C.

Aos dados climáticos, a equipe cruzou uma análise de risco social baseada em 14 indicadores que incluem aspectos que vão do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e acesso à eletricidade até estabilidade política e mudança populacional. E toda análise foi refinada para o contexto dos estados analisados.

“O contexto importa. O mesmo evento climático causa efeitos muito diferentes dependendo da preparação da região. É como comparar o Japão e a Turquia diante de um terremoto”, observa Muhl.

Para Siqueira-Gay, este conjunto de dados é importante porque não se pode resolver um problema que não se conhece. Ela enfatiza que é preciso aprimorar o licenciamento ambiental e considerar o impacto de diferentes projetos numa mesma região. “Precisamos de ferramentas mais robustas para avaliar impactos cumulativos, não dá mais para olhar mina por mina, licença por licença.”

Muhl concorda. “A ideia é dar ferramentas para que governos, empresas e comunidades possam se preparar. Estamos falando de risco muito próximo, nos próximos cinco a dez anos”.

Para Angelo, os dados são mais um chamado para a responsabilidade, porque o Brasil “não pode atuar como sócio das empresas mineradoras”. “O Estado precisa fiscalizar, regular e garantir que os direitos sejam respeitados”, diz ele. “O bem mineral é um bem público. A sociedade não pode ficar só com o prejuízo, e o lucro com poucos.”

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