/ Apr 24, 2025

Contratos de concessão não preveem mudanças climáticas – 24/04/2025 – Mauricio Portugal Ribeiro

Como adaptar os nossos contratos de concessão de infraestrutura aos eventos extremos decorrentes da mudança climática? Não há dúvida que o aumento da frequência dos eventos extremos requer adaptação das nossas infraestruturas, e isso demandará adotar providências que deveriam ser lideradas pelos poderes concedentes, agências reguladoras e pelas nossas principais “fábricas de projetos”: BNDES, Caixa Econômica Federal, IFC, BID, FIPE e FGV Projetos.

Durante a modelagem dos projetos, é essencial que seja realizado o mapeamento dos eventos extremos que podem atingir a infraestrutura, dos seus impactos e as medidas a serem adotadas para evitá-los ou minorá-los.

Tome-se como exemplo o caso dos aeroportos, com base em estudo elaborado por Fued Abrão Junior sobre os impactos operacionais e resiliência das infraestruturas a condições meteorológicas adversas, como, entre outros, tempestades e nuvens cúmulo-nimbo, que podem ser perigosas para as aeronaves, altas temperaturas, ondas de calor, precipitações extremas, eventos convectivos (movimento ascendente de ar quente e úmido), tempestades de baixa pressão, ventos velozes, nevoeiros e secas.

Para cada um desses eventos extremos, é preciso mapear impactos e medidas de adaptação. Por exemplo, as altas temperaturas podem levar, entre outros, a danos superficiais e profundos no pavimento, à alteração da aderência dos pneus das aeronaves na pista, à redução da vida útil do pavimento, e ao aumento de objetos estranhos na pista decorrente da degradação dos pneus. Para lidar com esses impactos, será necessário em alguns casos implantar sistema de resfriamento da pista, empregar materiais mais resistentes a altas temperaturas e eventualmente adotar restrições do peso permitido das aeronaves para uso do sistema de pistas.

Além disso, é possível que seja necessário aos fabricantes de aeronave desenvolverem pneus com melhor desempenho em altas temperaturas.

Após o mapeamento dos impactos e das medidas a serem adotadas, a tarefa seguinte é definir quem está mais apto a executá-las, o próprio poder concedente, as agências reguladoras, os concessionários ou terceiros.

E, por fim, se decidir transferir essas obrigações e riscos para os concessionários, será preciso desenvolver mecanismos para contratualizá-las com indicadores que permitam o monitoramento do seu cumprimento.

Todas essas atividades requerem coordenação e esforço técnico, econômico-financeiro e jurídico. As dificuldades envolvidas levantam a pergunta sobre se isso já está sendo realizado no Brasil.

O máximo que temos por enquanto são contratos que atribuem ao concessionário uma série de obrigações genéricas, como as de reforço de encostas, construção de barreiras de proteção contra desastres naturais, como deslizamentos de terra, alagamentos e inundações, obrigações estas que já constaram em vários contratos no passado, sem especificação sobre onde, em que casos, e com que padrão essas intervenções devem ser feitas.

Além disso, os nossos contratos de concessão ainda utilizam a formulação tradicional de alocação ao concessionário da responsabilidade pelos eventos previsíveis e de impactos ordinários relativos à mudança climática, para os quais o concessionário deverá realizar seguros, sem definição específica das coberturas e limites para isso, ficando o poder concedente com o risco da ocorrência de eventos imprevisíveis de impactos extraordinários.

Note-se que já está claro que a distribuição de riscos com base nessas categorias não é suficiente em um contexto de aumento da ocorrência de eventos extremos. É preciso traçar durante a modelagem do contrato e para todo o seu prazo a linha divisória entre o que é previsível e o que é imprevisível, e o que é impacto ordinário e extraordinário com a aplicação de ferramentas estatísticas aos dados sobre a ocorrência e impactos passados desses eventos.

A definição dessa linha divisória e a sua inserção na minuta do contrato a ser licitado é essencial para deixar claro quais são os riscos alocados ao concessionário e, portanto, qual esforço de engenharia, financeiro e operacional ele terá que fazer na implantação e gestão da infraestrutura.

Adicionalmente, tem se tornado comum a inserção de exigência ao concessionário de produção de informação sobre os impactos climáticos sobre a infraestrutura, deixando, portanto, para após a assinatura do contrato a produção do conhecimento que deveria ser insumo para a sua modelagem.

Em suma, a crescente frequência e intensidade dos eventos extremos provocados pelas mudanças climáticas impõe a necessidade de revisarmos os contratos de concessão de infraestruturas. A adaptação dos contratos não pode se restringir à exigência ao concessionário de produção de informações, que deveriam ser utilizadas na modelagem do contrato. É fundamental que os entes públicos e os entes que modelam os contratos assumam papel de liderança na produção de conhecimento, na definição precisa de riscos e responsabilidades, e na estruturação de mecanismos contratuais que permitam o monitoramento e a adaptação contínua das infraestruturas.


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