Carlo Bottarelli, presidente da Triunfo Participações, cobra do governo federal quase R$ 2,7 bilhões, em valores atualizados, uma pendência que ele afirma decorrer de desequilíbrios contratuais na Concer, concessionária que administra cerca de 180 km da BR-040, no trecho que liga Rio de Janeiro e Minas Gerais. O grupo negociava uma repactuação, mas o TCU julgou existir evidências de sobrepreço de R$ 3 bilhões nas obras, valor que deve ser devolvido à União. Também afirmou inexistir previsão contratual para que fosse dado mais prazo, pleito da concessionária como medida compensatória.
O caso foi parar no STJ e, segundo Bottarelli, por vinte sessões consecutivas o julgamento é adiado. Se até junho ele não ocorrer, um novo leilão da rodovia será realizado e a Concer terá de travar outra disputa judicial para tentar receber. Consultado, o ministro-relator do processo no TCU, Walton Alencar, disse que o processo foi julgado e não cabe comentários.
O TCU mandou parar a repactuação da BR-040 porque verificou sobrepreço. Isso não atrapalha no STJ?
A corte de contas achou pretensos superfaturamentos, irregularidades que não encontramos. É um contrato de preço global que passou, na época, pelas mãos de técnicos super qualificados [do governo]. Foi um dos primeiros aditivos [contratuais] feitos por fluxo de caixa marginal [com taxa mínima de retorno sobre o capital investido], tudo dentro do figurino. Quando o TCU entrou no jogo, o governo se retraiu. Ficamos sozinhos e fomos buscar amparo no Judiciário.
De que forma a demora no STJ afeta?
Ficaremos na concessão até a sentença definitiva ou até a entrada de um novo concessionário, o que deve ocorrer até o início de junho [se os trâmites seguirem o cronograma]. Já temos um voto divergente, garantindo que temos direito à extensão de prazo como forma de compensação pelos desequilíbrios contratuais não pagos pelo governo. Mas se o julgamento não sair, e ele vem sendo adiado há vinte sessões, esse direito perece e nossa ação se transforma em um pedido de indenização. Vamos receber em precatórios [títulos de dívida da União] daqui cinco ou dez anos anos por uma uma conta que poderia ser rateada pelo usuário e não por toda a sociedade.
Por que pela sociedade?
Nossa proposta permitiria, ao longo de 17 anos [prazo adicional pleiteado], realizar todas as obras em um prazo menor do que se essa rodovia for licitada novamente. Além disso, esse é o exemplo cabal de insegurança jurídica, porque você não pode assinar um aditivo com um ministro de Estado [a ex-presidente Dilma Rousseff assinou o documento], ele ser descumprido e não acontecer absolutamente nada.
O contrato venceu em 2021 e, segundo o TCU, o aditivo não previu a possibilidade de reequilíbrio. Como o tribunal, que é especialista nisso, pode ter errado?
A corte de contas proibiu o governo de discutir prazo conosco porque, supostamente, não há previsão contratual. Mas ela está na lei de concessões, que permite o reequilíbrio mediante mais prazo ou redução de investimentos. Os bancos nos emprestaram porque, no aditivo, tinha isso. A obra foi toda financiada.
O BNDES é um dos maiores credores. Ele não ajudou a destravar esse nó?
Quitamos quase todos os empréstimos ao longo desse período. Foram R$ 580 milhões para os privados até 2021 e R$ 400 milhões de BNDES, com quem liquidaremos em alguns meses. Quase 38% das nossas receitas foram para bancos e despesas financeiras de R$ 1,4 bilhão. Isso comprometeu o investimento, fomos forçados a fazer menos obras do que estava previsto.
Quanto pedem de reembolso, afinal?
Somando tudo, R$ 2,7 bilhões, entre despesas financeiras e depreciação das vias.
Se não tiveram reequilíbrio e pagaram tudo, como não quebraram?
Porque vendemos nosso melhor ativo, a Portonave [primeiro terminal portuário privado de contêineres em Navegantes (SC)], por cerca de R$ 1 bilhão. Hoje vale R$ 1,4 bilhão. Foi o que permitiu chegar até aqui.
RAIO-X
Carlo Alberto Bottarelli, 71
Engenheiro Civil (UFPR) com pós-graduação em Administração (Faculdade Católica de Administração e Economia), fez carreira na Triunfo, onde atua desde 2003 até chegar a CEO, cargo que ocupa desde 2005. Entre 1978 e 2003, foi executivo da Ivaí Engenharia de Obras.