A Câmara dos Deputados aprovou, nesta terça-feira (29), um projeto que permite ao governo participar do fundo de Apoio à Infraestrutura para Recuperação e Adaptação a Eventos Climáticos Extremos, com gastos fora do Orçamento.
A discussão sobre este projeto, relatado pelo deputado Nilto Tatto (PT-SP) de autoria do líder do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), José Guimarães (PT-CE), começou na última quarta-feira (23), mas a votação foi adiada por falta de consenso.
Nesta terça, o texto foi aprovado por 261 votos a favor e 108 contra —além de obstrução da oposição, que tenta barrar os trabalhos da Câmara (até aqui, sem sucesso) para pressionar pelo projeto de anistia. O texto vai ao Senado.
Para garantir o avanço do projeto, o governo fez um acordo com a bancada ruralista (a maior do Congresso, com mais de 300 deputados), que era resistente a um trecho do texto que endurecia leis ambientais.
O relatório de Nilto Tatto inicialmente havia acrescentado um dispositivo que aumentava a proteção de áreas que sejam incendiadas ou desmatadas ilegalmente.
O texto determina que, após destruído, o local segue com a mesma proteção jurídica que tinha antes. Defensores da medida dizem que o mecanismo busca impedir que terras desmatadas sejam usadas por grileiros para regularizar propriedades irregulares.
Críticos do dispositivo afirmam que isso prejudicaria, por exemplo, proprietários que tivessem suas terras desmatadas por terceiros de forma criminosa e podia impedir que esses locais fossem licenciados para exploração.
A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) se opôs a este trecho, o que ameaçou travar o andamento do projeto. Por isso, o governo aceitou ceder e tirar o dispositivo do texto, para conseguir aprovar o fundo.
“Fizemos uma ampla negociação com a FPA, o que justifica a matéria ser votada, porque há um entendimento no sentido de aprovar, até para ajudar o Rio Grande do Sul, do ponto de vista do fundo que foi criado”, disse o líder do governo na Câmara, José Guimarães.
Este fundo surgiu no projeto como um jabuti —trecho que não tem a ver com o tema inicial do projeto— e, como mostrou a Folha, foi alvo do TCU (Tribunal de Contas da União).
Originalmente, a proposta tinha como objetivo facilitar a realização de contratos aeronáuticos para resposta a emergências climáticas, como incêndios ou tragédias ao que se viu no Rio Grande do Sul em 2024, por exemplo.
Durante sua tramitação, o texto incorporou dispositivos de duas medidas provisórias do governo Lula.
Estas medidas serviram para criar o fundo de infraestrutura, com natureza privada e com aporte de R$ 6,5 bilhões, voltados ao apoio à reconstrução do Rio Grande do Sul.
Elas também permitem que o Fundo Nacional de Meio Ambiente faça repasses diretos a estados e municípios.
Como uma medida provisória tem prazo de validade, estes fundos não são perenes, funcionam apenas durante a vigência da norma.
Se for aprovada pelo Congresso Nacional, porém, estes mecanismos passam a vigorar dentro da legislação, de forma perene.
A permissão para que o governo integre o fundo privado de apoio à infraestrutura e resposta às mudanças climáticas avança à revelia do TCU.
O presidente do TCU afirmou à Folha que seria melhor se a tramitação legislativa do novo fundo privado esperasse resultado da auditoria geral sobre fundos privados.
“Se o Congresso esperasse um pouco mais, ele poderia agir, deliberar essa nova lei com mais elementos”, disse Vital do Rêgo.
O uso de fundos privados, que ficam fora do Orçamento da União, para bancar políticas públicas foi condenado pela área técnica do TCU, que considera que a União tem recorrido a eles para driblar o Orçamento e fugir dos limites do arcabouço fiscal, que impõe um teto de gastos. Eles veem risco para as contas públicas.
O TCU indicou no julgamento do Pé-de-Meia, em fevereiro, que não vai aceitar que o governo use dinheiro dos fundos privados, em que a União é cotista, para financiar despesas para o pagamento de políticas públicas fora do Orçamento.