/ May 01, 2025

É hora de reconhecer: Pedro Álvares Cabral não foi o primeiro – 30/04/2025 – Rodrigo Tavares

Se, na vila portuguesa de Belmonte, Pedro Álvares Cabral é celebrado como herói local, em Palos de la Frontera, na Espanha, comemoram-se os grandes navegadores que partiram daqui para as Américas —como Colombo, Martín Alonso Pinzón e Vicente Yáñez Pinzón, este último o primeiro estrangeiro a chegar ao Brasil, alguns meses antes de Cabral.

A informação é apresentada sem reservas pelo historiador residente no Mosteiro de La Rábida, centro espiritual e político da expansão ultramarina espanhola, a poucos quilômetros de Palos. Pinzón, veterano da frota de Colombo, zarpou daqui em novembro de 1499 com quatro caravelas, numa missão privada de exploração. Uma tempestade o desviou para a costa sul-americana.

O local exato do desembarque no Brasil, que Pinzón batizou de Cabo de Santa María de la Consolación, é tema de debate: alguns apontam o Cabo de Santo Agostinho (PE); outros sugerem locais no Ceará, como a Ponta Grossa, Ponta de Itapajé ou Ponta de Mucuripe. Em outro ponto do Nordeste, que chamou de “rostro hermoso”, fincou uma cruz com o brasão de Castela.

Ainda assim, a Espanha não reivindicou oficialmente a posse. Pelo Tratado de Tordesilhas (1494), aquele território pertencia a Portugal na divisão do mundo entre as duas coroas ibéricas.

A chegada do navegador, em 26 de janeiro de 1500, está bem documentada por relatos de bordo, testemunhos e cronistas como Bartolomé de las Casas e Pietro Martire d’Anghiera. Esses registros estão no Arquivo Geral das Índias, em Sevilha. O célebre mapa de Juan de la Cosa, de 1500, considerado o mais antigo a retratar as Américas, hoje preservado no Museu Naval de Madri, traz uma inscrição sobre o litoral brasileiro: “Este cabo foi descoberto em 1499 por Castela, sendo o descobridor Vicente Yáñez.” A Encyclopædia Britannica também reconhece Pinzón como o pioneiro.

Diante disso, a historiografia portuguesa tentou deslocar o desembarque de Pinzón para cabo Orange, próximo à Guiana Francesa, já fora dos limites estabelecidos por Tordesilhas.

No Brasil, a sua presença não é ignorada: Pinzón dá nome a um bairro em Fortaleza e a sua proeza é corroborada por historiadores como Varnhagen, Max Justo Guedes e Eduardo Bueno. A imprensa brasileira, como o Poder360, Diário do Nordeste e a Folha, também já tratou do tema. A tese espanhola aparece no site oficial do governo do Ceará.

Para entender essa história, é essencial visitar Palos de la Frontera, a poucos minutos de Huelva. Escrevo daqui, na semana de São Jorge Mártir, padroeiro local. A vila preserva a memória das grandes navegações em marcos como a Igreja de San Jorge —onde os navegadores rezavam antes de partir e foi lido o édito real que convocava marinheiros à frota de Colombo—, a fontanilla, que abasteceu as caravelas, e o solar da família Pinzón, na calle Cristóbal Colón.

No Mosteiro de La Rábida, um retrato a óleo de Vicente Pinzón e o brasão da família adornam a Sala Capitular. Na costa, o Muelle de las Carabelas exibe réplicas em tamanho real das embarcações da época.

Reconhecer Pinzón não apaga Cabral, mas desmonta o mito de um início absoluto. A história brasileira não começa com um europeu —português ou espanhol—, pois já havia povos, culturas e vidas plenamente estabelecidas. Pinzón encontrou esses habitantes originários, que foram os primeiros a registrar a chegada estrangeira. A história não é feita de exclusividade, mas de encontros, conflitos e coexistências. E não há maturidade historiográfica sem reconhecer essa pluralidade originária.

A viagem de Pinzón merece, por isso, reconhecimento oficial por parte do Congresso Nacional brasileiro, além de iniciativas educacionais que resgatem o seu papel histórico. A sua expedição contribuiu significativamente para o alargamento do conhecimento geográfico do Atlântico Sul e representou o primeiro contato europeu registrado com o território brasileiro. Negá-lo é reafirmar a história como doutrina ou simbologia nacional, e não como campo de investigação crítica.


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